Um clube desportivo é uma associação privada de direito privado, sem fins lucrativos, que tem como objetivo principal o fomento, a prática e a organização de atividades desportivas para os seus membros. Esses clubes, que também são conhecidos como clubes desportivos ou clubes esportivos, podem envolver um sistema de associados que paga uma anuidade para ter acesso às instalações e atividades.
Características de um clube desportivo:
Natureza Associativa:
São constituídos como associações, o que implica uma estrutura democrática e a participação dos seus membros nas decisões.
Sem Fins Lucrativos:
A sua principal finalidade não é a obtenção de lucro, mas sim o desporto e o bem-estar dos seus associados.
Fomento da Prática Desportiva:
Incentivam a prática direta de diversas modalidades desportivas, promovendo a saúde e a atividade física.
Sistemas de Associação:
Muitos clubes desportivos profissionais funcionam com um sistema de associados, onde os membros pagam uma taxa anual para ter acesso a instalações e eventos.
Fontes de Financiamento:
As receitas vêm de taxas de associados, venda de bilhetes, patrocínios, merchandising e direitos televisivos, entre outros.
Atuação em Diferentes Níveis:
Podem variar desde associações elementares focadas apenas em seus membros, até clubes mais estruturados que se transformam em Sociedades Anônimas Desportivas (SADs) para a participação em competições oficiais de alto nível. Segundo especialistas nos veiculos de imprensa no Brasil.
Economia do Futebol
Fernando Nogueira da Costa
Junho 2023
452
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Fernando Nogueira da Costa 1
Resumo
O objetivo é ser realista na avaliação da “empresarização” do futebol ser bem-sucedida por si só sem ser acompanhada de
policiamento institucional e amadorista por parte das torcidas. Resumo brevemente algumas observações a respeito do
negócio do futebol coletadas na literatura. Avalio as finanças futebolísticas com base nos indicadores de receitas diversas,
despesas, investimentos e endividamentos. Levanto as várias motivações extraeconômicas para bilionários estrangeiros
adquirirem times de futebol. Investigo a costumeira lavagem de dinheiro na negociação de atletas. Constato as reações
contra as contumazes corrupções existentes nas instituições e por parte das pessoas envolvidas com o futebol. Analiso a
viabilidade de abertura de capital da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) na bolsa de valores. Por fim, apresento um
contraponto crítico ao processo de transformação de clubes de futebol em empresas.
Palavras-chave: Finanças, Riqueza, Lavagem de dinheiro, Corrupção.
Abstract
Football economy
The objective is to be realistic in evaluating the “corporateization” of football being successful on its own without being
accompanied by institutional and amateur policing by the fans. Briefly summarize some observations about the football
business collected in the literature. I evaluate football finances based on indicators of miscellaneous income, expenses,
investments, and debt. I raise the various extra-economic motivations for foreign billionaires to acquire soccer teams. I
investigate the usual money laundering in the negotiation of athletes. I note the reactions against the persistent corruption
existing in institutions and on the part of people involved with football. I analyze the feasibility of going public for SAF on
the stock exchange. Finally, I present a critical counterpoint to the process of transforming football clubs into companies.
Keywords: Finance, Wealth, Money laundering, Corruption.
JEL Classification: M, F2, Z13.
Sumário
Introdução ........................................................................................................................................................... 2
Literatura sobre o Negócio do Futebol ............................................................................................................... 4
Finanças Futebol Clube ...................................................................................................................................... 8
Bilionários Futebol Clube..................................................................................................................................12
Lavagem de Dinheiro Futebol Clube .................................................................................................................15
Corrupção Futebol Clube ..................................................................................................................................18
Análise da Viabilidade de Abertura de Capital de SAF ....................................................................................21
Considerações finais ..........................................................................................................................................27
Bibliografia ........................................................................................................................................................27
Anexo Estatístico ...............................................................................................................................................29
(1) Professor-Titular do Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas (Unicamp. IE).
http://fernandonogueiracosta.wordpress.com / http://lattes.cnpq.br/6773853439066878. E-mail: fercos@eco.unicamp.br, ORCID: 0000
0002-3609-5799.
Fernando Nogueira da Costa
Introdução
A nova Lei 14.193/2021 da Sociedade Anônima do Futebol – SAF, ao permitir aos clubes de
futebol se transformarem em empresas, tem o propósito de contribuir com o processo de gestão
profissional e equacionamento das finanças do futebol brasileiro. Fernando Trevisan a analisou em
artigo intitulado “A hora da verdade no Negócio Futebol”.
Historicamente, os clubes foram constituídos como associação civil sem fins lucrativos, há
cerca de um século, como uma iniciativa para criar uma entidade de fomento à prática desportiva.
Porém, o esporte ao longo da segunda metade do século XX se tornou parte da indústria do
entretenimento, seja presencial, seja via transmissão.
Como o dinheiro em circulação com a profissionalização elevou-se muito, cresceu a pressão
por investimento para o time se manter competitivo. Aquele formato original deixou de ter capacidade
financeira de competir com os clubes europeus, principalmente, quando a moeda nacional se
depreciou com regime de câmbio flexível e disparou a capacidade financeira deles contratarem jovens
jogadores brasileiros.
Mais de 90% dos europeus se tornaram empresas, enquanto, no Brasil, mantiveram-se os
clubes com a gestão tradicional. Havia pouco incentivo para um clube de futebol se tornar uma
empresa.
O modelo associativo tinha menor custo tributário e os dirigentes não arriscavam a envolver
seu patrimônio pessoal em caso de dívidas adquiridas em suas gestões. Não sendo empresas, essas
organizações clubísticas não podiam ter sua falência decretada. Permanecem suas situações
financeiramente insustentáveis por anos a fio.
Esse formato também impede a capitalização via venda de ações para investidores. Limita
assim a capacidade de alavancagem financeira do clube.
A nova lei das SAF não obriga os clubes a se tornarem empresas, mas oferece uma série de
incentivos:
reduz o custo tributário por meio de um regime específico;
libera a empresa de eventuais penhoras judiciais;
possibilita a entrada de investidores por meio de aquisição de ações;
abre caminho para resolver o problema das dívidas, obrigando a nova empresa a destinar
20% da receita e 50% do lucro para o pagamento por prazo determinado;
obriga a adotar práticas avançadas de gestão e governança.
Este novo modelo já vem sendo utilizado por clubes altamente endividados em busca de
recuperação dentro e fora de campo. Criam uma SAF para o futebol, separada do clube, e vendem
90% da participação acionária para investidor(es) externo(s).
A nova empresa passa a ter o direito de operar com a marca do clube, disputar os campeonatos
e gerir o negócio do futebol. Sem o sucesso ser garantido a priori, a transformação desses clubes em
SAF talvez seja a última esperança de ajuste.
Outros clubes já com regime empresarial adotam esse modelo menos oneroso em termos
tributários, dispostos a assumirem as premissas de transparência e governança exigidas. Mesmo
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
clubes associativos já bem geridos e com dívidas equalizadas, capitalizam-se ao atrair investidores
por meio de uma SAF.
Para os clubes de maiores torcidas e em melhor situação, a mudança demorará mais. Sem
forte pressão financeira, não há disposição nem incentivo para encarar o preconceito ainda em vigor
em relação à entrada de acionistas privados em clubes de futebol. A mudança de visão dependerá dos
resultados obtidos pelas primeiras SAFs.
Mas ainda existem lacunas na nova lei e dúvidas em relação à sua implantação, em especial
sobre tratamento das dívidas fiscais e responsabilidade diante dos credores. O Regime Centralizado
de Execuções proposto envolve dívidas trabalhistas e cíveis, mas não estabelece regra para os tributos
não pagos.
As dívidas fiscais respondem por cerca de um terço do total dos débitos dos clubes. As opções
continuam sendo negociação direta com o ministério da Fazenda ou PROFUT (Programa de
Refinanciamento Fiscal do Futebol Brasileiro), e nenhuma das duas tem funcionado.
Agora, o clube original se mantém como o responsável primário pela dívida passada e tem
muito menos capacidade de pagamento, porque sua principal fonte de receita (o futebol) foi
transferida para a SAF. Há disputa judicial com os credores porque a lei não deixa claro como será a
corresponsabilidade da SAF no passivo fiscal anterior à aquisição, ou seja, se ela responde sobre o
não pagamento das dívidas.
É pouco provável os clubes originais conseguirem honrar todo o passivo apenas com os
repasses da SAF previstos em lei. Exceto caso ocorra um salto extraordinário no faturamento e/ou um
deságio expressivo nas negociações dos débitos com os credores, o montante não será suficiente para
quitá-los. Na Recuperação Judicial (RJ), negocia-se um plano de pagamento com os credores.
Sob o ponto de vista do investidor, o potencial de retorno para um aporte nesse mercado é
bastante incerto. São poucos os clubes que geram superávit em suas operações, mesmo na Europa. A
possibilidade de se alcançar sucesso financeiro a partir da valorização do ativo, e posterior revenda
para grandes grupos internacionais, ainda é muito mais um desejo do que um potencial.
A nova lei da SAF representa a mais importante transformação do ambiente de negócios do
futebol brasileiro desde a Lei Pelé de 1998, porque estimula a adoção do modelo empresarial nos
clubes. A ideia é aproximá-los das boas práticas do ambiente corporativo similar ao europeu.
Pressupõe o modelo empresarial incentivar mais responsabilidade na gestão, transparência
nas informações e explorar mais o seu cliente final, isto é, a razão de existência do clube: o torcedor.
Defende a plena implantação do capitalismo no futebol.
O futebol brasileiro, para acompanhar o futebol europeu, necessita de transformação. Ela está
baseada em três pilares, sendo a aprovação da Lei da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) o
primeiro deles, ao abrir a possibilidade de o futebol do clube passar de uma associação para uma
empresa.
Outro pilar está na esperada criação da liga nacional ainda em disputa de duas propostas. A
partir dela, a expectativa é discutir o produto futebol e negociar de forma centralizada os direitos de
transmissão, aumentando a maior fonte de receitas.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
O terceiro pilar é o “fair play” financeiro, adotado pela UEFA na Europa. Visa evitar os
clubes gastarem acima do arrecadado, sob o risco de receberem penalizações.
Com esses três pilares, espera-se profunda transformação na Economia do Futebol. Clubes
historicamente considerados “grandes” terão de se movimentar em busca da adequada governança ao
novo ambiente institucional.
Para registrar o momento dessa transição histórica, eu orientei uma monografia de graduação
do aluno Pedro Saraiva, intitulada Futebol e Mercado: Ascensão das Sociedades Anônimas do
Futebol no Brasil. Ele fez o estudo de caso da SAF do Cruzeiro, meu time preferido desde a
adolescência em Belo Horizonte.
Com a “sobra de pesquisa”, sugerida a ele pelo meu entusiasmo com o tema, mas não utilizada
plenamente, resolvi elaborar esse Texto para Discussão. Seu objetivo é ser realista na avaliação da
possibilidade dessa “empresarização” do futebol ser bem-sucedida por si só sem ser acompanhada de
fiscalização, seja institucional, seja amadorista por parte das torcidas.
No primeiro tópico, resumo brevemente algumas observações a respeito do negócio do
futebol coletadas na literatura. No segundo, avalio as finanças futebolísticas com base nos indicadores
de receitas diversas, despesas, investimentos e endividamentos. No terceiro, levanto as várias
motivações para bilionários estrangeiros adquirirem times de futebol. No quarto, investigo a
costumeira lavagem de dinheiro na negociação de atletas. No quinto, constato as reações contra as
contumazes corrupções existentes nas instituições e por parte das pessoas envolvidas com o futebol.
No sexto, analiso a viabilidade de abertura de capital da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) na
bolsa de valores e apresento um contraponto crítico ao processo de transformação de clubes de futebol
em empresas.
Literatura sobre o Negócio do Futebol
Franklin Froer, no livro Como o Futebol explica o Mundo: Um olhar inesperado sobre a
globalização (2005), coloca uma questão ainda muito atual: o futebol profissional irá além do esporte
competitivo, onde angariou as paixões clubistas, para se tornar um clube fechado de bilionários a
explorar sua possibilidade de geração de dinheiro?
Assim como em um modo de vida em contínua transformação, o futebol profissional em nível
global abrange questões complexas. Elas ultrapassam a arte do jogo em si.
Os clubes de futebol espelham classes sociais e ideologias políticas, inspiram devoção mais
intensa mesmo se comparada à das religiões. Envolve interesses pecuniários capazes de arruinar os
clubes pequenos e melhorar a imagem de regimes políticos autoritárias ou deflagrará movimentos de
libertação por torcedores em relação aos interesses de O Mercado – sobrenatural por ser onipresente
e onipotente?
Para realizar esse amplo trabalho de reportagem, Franklin Foer, jornalista político norte
americano, viajou o mundo, analisando o intercâmbio entre o futebol e a nova economia global.
Acabou por derrubar mitos.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Por um lado, em vez de destruir as culturas locais, como preconizava a esquerda, a
globalização do futebol deu nova vida ao tribalismo. Por outro, longe de promover o triunfo do
capitalismo impessoal e ético, apregoado pela direita, fortaleceu a corrupção.
As histórias colecionadas por Foer (2005) ilustram o choque de civilizações e revelam como
o futebol e seus fiéis seguidores podem expor as mazelas de uma sociedade, sejam elas a pobreza, o
antissemitismo ou o fanatismo religioso. Original, o livro nos ajuda a compreender nossa turbulenta
época.
Quando veio a Internet, torcedores de todo o mundo passaram a poder ler as páginas
esportivas em línguas conhecidas e seguir atentamente os jogadores conhecidos na Copa do Mundo.
Depois, canais pagos em TV cabo e agora em streaming propiciaram acompanhar jogos na Europa,
importando menos Brasil e Argentina.
Graças à quebra das barreiras comerciais e às novas tecnologias, o mundo ficou muito mais
interdependente. A inevitável integração de mercados, Estados-nações em blocos comerciais e
tecnologias, em um grau jamais observado antes, habilitou indivíduos, corporações e Estados
nacionais a se contactarem.
Por isso, a Economia do Futebol está em uma transição necessária de ser registrada. Foer
(2005) usa o futebol para abordar questões econômicas: as consequências da migração, a persistência
da corrupção e a ascensão de novos oligarcas e/ou plutocratas poderosos. O futebol é pensado por ele
como uma defesa das virtudes do nacionalismo para evitar a hegemonia do tribalismo dinástico.
Soccernomics, quando publicado em 2009, foi aclamado como um dos mais reveladores
livros sobre o futebol. Além da óbvia inspiração do título do livro Freakonomics, os coautores Simon
Kuper, colunista esportivo do Financial Times, e Stefan Szymanski, professor de Economia da Cass
Business School, também aplicam princípios socioeconômicos na explicação de fenômenos
cotidianos. Apresentam ideias fora-do-comum comprovadas por meio de dados e fatos.
Kuper e Szymanski juntaram a análise de dados, a estatística, o jornalismo, a economia e a
sociologia para compreender o futebol em suas diferentes facetas. Produziram talvez o mais
interessante registro dos bastidores do esporte mais popular do mundo.
Mostram a evolução e o impacto da audiência em diferentes países, além do resultado das
pressões das torcidas sobre os clubes. Traçam um mapa atualizado da geopolítica do futebol.
Defendem a tese de o futebol não ser um bom negócio. Provavelmente, não é sequer um
negócio. A pesquisa busca dados e argumentos em defesa dessa hipótese.
Como poucos clubes são cotados no mercado de ações e as paixões norteiam suas cotações
de acordo com vitórias e derrotas semanais, se torna difícil descobrir seu valor de mercado
fundamentado. Não apenas a maioria dos clubes tem prejuízo e não paga dividendos a seus acionistas,
como muito dos maiores clubes sofrem tremenda queda no valor de suas ações após uma série de
derrotas.
Independente de qual seja o parâmetro, nenhum clube de futebol é um grande negócio. Apesar
de alguns jogadores serem celebridades e o programa de TV mais assistido ser a transmissão de jogo
final de campeonatos e/ou copas de futebol, os clubes são pequenos negócios.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Os autores do livro Os Números do Jogo: Por que tudo o que você sabe sobre futebol está
errado (2013), Chris Anderson & David Sally, afirmam: “o jogo dos números exige mais além de
simplesmente contabilizar os lances ocorridos em um campo de futebol. Exige procurar padrões a
partir de grandes amostras de informações. Isso também significa aceitar certos elementos do futebol
serem imprevisíveis”.
O objetivo do jogo da análise, porém, mudou. Busca-se usar as informações – os fatos puros
e frios – para determinar se aquilo acreditado a respeito do futebol é mesmo verdade.
A análise estatística não é uma questão de usar os números para provar uma teoria, mas sim
observar aquilo dito realmente pelos números, descobrir se nossas crenças estão corretas e, se não
estiverem, nos ajudar a entender aquilo no qual realmente devemos acreditar. Desafiar o senso comum
pode ser incômodo.
O cérebro humano é uma máquina modeladora de análise, funcionando muitas vezes por
apostas. Como produtor de previsões e de regras, nosso computador mental é sujeito a falhas.
Nossos cérebros foram projetados para recordar e superestimar os acontecimentos mais
impressionantes e vívidos. Eventos de fato ocorridos vêm à memória mais facilmente em lugar de
eventos possíveis de ter ocorrido.
Nossas teorias e nossas crenças pessoais, naturalmente, acabam sendo confirmadas: nós não
acreditamos em algo porque o vemos. Na verdade, só vemos algo quando acreditamos naquilo!
Partidas de futebol e campeonatos são decididos pelo talento ou pela sorte? Esta é a questão
chave. Se o esporte for uma questão de talento, então, há uma lógica na competição: no fim, o melhor
time triunfará. Se for uma questão de sorte, então, adianta gastar milhões com os melhores jogadores?
Por qual razão os craques ganham tanto? Seus salários se justificam porque remuneram não
apenas serem jogadores, mas também o fato de serem celebridades. Um executivo pode gerar riqueza,
desenvolvimento, tecnologia, mas o jogador, além de alguma renda, produz entretenimento, verba
publicitária, pay-per-view e venda de inúmeros produtos.
O próprio conceito de torcer (e distorcer) se baseia na existência de uma lógica por trás do
jogo: se seu clube adquirir os melhores jogadores e contratar um grande treinador, os troféus virão.
Os autores de “Os Números do Jogo”, no entanto, chegaram à seguinte conclusão: “o futebol é,
basicamente, um jogo 50-50. Metade é sorte; metade é talento” (Chris Anderson & David Sally, 2013:
45).
Quase na metade das vezes, no futebol, o favorito não é tão favorito assim. Isto pode ser
explicado por dois fatores: no futebol, os gols são raros e os empates são comuns.
Essa combinação torna muito difícil estabelecer as probabilidades no futebol. Nele, o favorito
vence em apenas aproximadamente 50% das vezes. Isto vai contra tudo aquilo pensado pela maioria
a respeito desse esporte.
O futebol é o mais imprevisível dos esportes coletivos. Quase na metade das vezes, o time
menos preparado – ou com jogadores piores – acaba vencendo!
O acaso é um elemento central em toda partida de futebol. A profissão do banqueiro de
apostas se baseia no acaso. Se os jogos fossem previsíveis, ninguém apostaria.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Os gols saem na maioria das vezes em falhas da defesa. Logo, a maioria das equipes se
defendem, quando jogam longe de sua torcida, e esperam a eventual oportunidade para aproveitar um
erro do adversário.
A qualidade do time praticamente determina o número de finalizações e cada finalização tem
uma chance de estufar as redes contra oito bolas fora das metas ou defendidas. A sorte, antes e acima
de tudo, depois a forma e a habilidade dos jogadores, e no fim coisas como a “fase atual” (confiança)
decidem a vitória de uma equipe e a margem de gols.
É uma descoberta surpreendente para os torcedores o maior papel do acaso em determinado
jogo. Acreditam o talento de um time decidir totalmente o acontecido no campo.
Por isso, pressionam os “donos do futebol” a investirem na negociação de jogadores,
disputando as “celebridades”. Senão, pelo menos, famosos em fim de carreira... e caros.
Tostão (Eduardo Gonçalves de Andrade), em “Tempos vividos, sonhados e perdidos: Um
olhar sobre o futebol” (2017), comenta o ambiente e/ou os bastidores do futebol. A Sociedade do
Espetáculo do Futebol é composta também de violência, troca de favores, jogo de interesses, torcidas
organizadas e avanço tecnológico.
Ele destaca como fator importante para a queda do futebol brasileiro a relação promíscua
existente entre empresários, investidores, clubes, federações estaduais e a CBF. É a troca de favores,
uma das pragas da cultura brasileira.
É comum um treinador e um jogador, das categorias de base ou do time principal, serem
agenciados pelo mesmo empresário. Isso gera conflito de interesses devido à desmedida ambição
humana. Nem sempre os atletas capazes de gerar lucros aos clubes são os escalados pelos técnicos.
Os clubes, por comodismo e interesses escusos, são reféns desses empresários. Eles agenciam
jogadores e técnicos e participam ativamente das contratações e das negociações para a saída de
jogadores.
A primeira conduta de um dirigente ou de um treinador, quando assume o comando da seleção
brasileira, deveria ser abolir todos os vínculos com empresários. Com frequência, um técnico convoca
um jogador pela primeira vez de maneira inesperada.
Então, ele passa a ser valorizado para ser transferido para um grande clube da Europa. Nunca
mais é chamado. Fica a suspeita de mutreta, ainda mais se o empresário do jogador for o mesmo do
treinador.
Outro viés é escolher como dirigente da CBF um ex-empresário de técnicos e de jogadores.
Mesmo caso ele interrompa formalmente todos os contratos anteriores, há sempre o perigo da
permanência de vínculos de trocas de favor.
Empresários costumam fabricar notícias, e jornalistas, por ingenuidade ou sem perceber, dão
destaque e acabam se tornando participantes de um jogo de interesses. O marketing, importante em
qualquer atividade, passou também a dominar o futebol, com a promoção de jogadores medíocres a
bons e de excelentes a craques.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Com relação ao futebol jogado no Brasil como um todo, por causa da desorganização e da
impossibilidade financeira de manter os principais atletas nos clubes, segundo Tostão, o nível técnico
é de segunda divisão, em comparação com o dos melhores times do mundo.
As grandes equipes do mundo assim como as grandes do Brasil possuem equipes de
informática, constituídas de analistas técnicos e táticos. Eles dão todas as informações estatísticas
sobre os jogadores e os adversários. Isso ajuda os treinadores nas decisões e nas contratações de
atletas pelos dirigentes.
Para Tostão, um ex-professor de Medicina na área de psiquiatria, há um exagero na adoração
por esses números. Tornam os técnicos muito bem-informados, mas se superar a pouca capacidade
de observar os detalhes subjetivos.
Por exemplo, no futebol brasileiro, predomina o jogo-de-cena, quando costumeiramente os
jogadores brasileiros usam a esperteza, as simulações e as violações das regras e da ética para levar
vantagem. Infelizmente, a mesma “vitimização” ocorre em outras atividades humanas, onde a falta
de personalidade por não a cultivar com educação leva a não assumir responsabilidades pessoais.
“No instante do lance, na emoção do jogo, na busca do sucesso, o jogador, sem pensar e sem
racionalizar, age mais por impulsos emocionais, presentes nas profundezas da alma. Nada disso
justifica ele não ser punido. Todos devem ser responsáveis por seus atos”, afirma Tostão.
Ele conclui: “a sociedade do espetáculo não gosta necessariamente de futebol. Gosta mais de
consumir, festejar, descartar e trocar seus ídolos rapidamente”.
Finanças Futebol Clube
Os principais clubes brasileiros de futebol viram suas receitas crescerem de forma
praticamente constante nos últimos dez anos, acompanhadas de um endividamento também crescente.
Isso é revelado por estudo da EY, resumido pelo jornal Valor (21/05/23).
A receita nominal dos 30 clubes estudados se elevou 156% entre 2013 e 2022, passando de
R$ 3,17 bilhões para R$ 8,13 bilhões no período. Em termos reais, com o desconto da inflação, o
avanço foi de 50%.
Em termos de receita, o levantamento mostra Flamengo e Palmeiras dominarem os valores
recebidos no futebol brasileiro. As duas agremiações mais Corinthians, São Paulo e Internacional
concentraram 49% dos R$ 8,14 bilhões arrecadados pelos 30 times estudados.
A receita recorrente total, isto é, não considerando a venda de atletas, foi de R$ 6 bilhões, 1%
abaixo do ano anterior, e 52% dela também ficaram concentrados em cinco equipes — com o Atlético
Mineiro no lugar do Internacional nesse grupo.
O Flamengo lidera, desde 2019, a lista de maiores receitas do futebol brasileiro e obteve no
ano passado R$ 1,177 bilhão no total, seguido pelo Palmeiras, com R$ 867 milhões. A seguir, o
Corinthians arrecadou R$ 777 milhões no ano passado; o São Paulo ficou com R$ 661 milhões; e o
Internacional, com R$ 467 milhões.
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Economia do Futebol
No mesmo período, o endividamento líquido aumentou 94,6%, de R$ 5,830 bilhões, em 2013,
para R$ 11,347 bilhões, em 2022. O estudo considera 19 clubes na disputa da Série A e 11 da Série
B neste último ano.
Em relação ao endividamento, a métrica convencional é verificar quantas vezes a dívida está
acima da receita. São nove os clubes com essa relação acima de 2,5 vezes, em uma situação de
“alerta”. Dessas nove equipes, sete estavam na Série B no ano passado, sofrendo uma grande queda
de receitas.
Um time da Série A recebe, “de largada”, uma verba de direito de transmissão entre R$ 60
milhões e R$ 65 milhões, enquanto uma equipe da Série B fica com algo entre R$ 8 milhões e R$ 9
milhões. Das sete equipes desse grupo de superendividados na Série B em 2022, três – Bahia,
Cruzeiro e Vasco – conseguiram subir e vão disputar a principal divisão do futebol brasileiro em
2023. O Grêmio também subiu, mas não estava tão endividado.
Além dos três citados, Guarani, Botafogo, Ponte Preta, Atlético Mineiro, Sport e Vila Nova
aparecem com um endividamento líquido acima de 2,5 vezes a receita total. O clube de Campinas
lidera com endividamento 8,49 vezes acima da receita.
Este grupo de clubes está altamente alavancado. Se esses clubes fossem empresas, talvez
estivessem em um processo quase sem retorno.
O Atlético Mineiro aparece ainda como o maior endividamento líquido individual entre os
30 clubes, com R$ 1,57 bilhão, mas o clube tem uma grande torcida e inaugurará, em 2023, um estádio
próprio como potencial de se transformar em gerador de receitas para redução desse montante. Depois
do Atlético, de acordo com o estudo da EY, os maiores endividamentos são do Cruzeiro, com R$ 1,18
bilhão; do Botafogo, com R$ 1,04 bilhão; do Corinthians, com R$ 927 milhões; do Vasco, com R$
679 milhões; e do Fluminense, com R$ 678 milhões.
A EY relacionou receita com desempenho esportivo. A pesquisa considerou os últimos cinco
anos e as três principais competições disputadas pelos clubes brasileiros em um ano – Brasileirão,
Copa do Brasil e Libertadores da América.
Nos 15 troféus disputados nesse período, Flamengo e Palmeiras, as maiores receitas,
venceram dez deles – com o adendo de a Libertadores também ser disputada por clubes de fora do
Brasil. Foram duas Libertadores, dois Campeonatos Brasileiros e uma Copa do Brasil para cada um.
Nos últimos anos, os clubes com maior potencial financeiro, além dos com maior capacidade
de gestão e governança, são os clubes com melhor performance esportiva. Esse dado não significa
clubes com receita menor jamais conseguirem ter um bom desempenho.
A boa governança é fundamental para as metas terem mais chances de serem alcançadas no
campo de jogo. O Athletico Paranaense é um exemplo de time com boa governança, embora, entre
as receitas, tenha recebido a sétima receita no ano passado, com R$ 371 milhões. O time foi, em 2022,
vice-campeão da Libertadores.
Além da receita, tem componentes de estrutura adequada, processos, governança, estratégia,
gestão de médio e longo prazo. É como se fosse uma empresa normal. Não pode pensar um clube
como fosse algo separado da vida normal de uma sociedade empresarial.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Esses números, apresentados pela EY, são diferentes dos apresentados no Relatório de 2023,
produzido pelas consultorias Convocados, Galapagos e OutField. Estão nos quadros do Anexo
Estatístico (AE).
O Relatório permite o acompanhamento da evolução das finanças dos clubes futebolísticos
e a comparação com os associados com SAF – Sociedade Anônima do Futebol. As dificuldades
financeiras levaram à experimentação desse novo modelo de gestão.
Alguns números agregados (consultar AE) dão uma impressão inicial do conjunto. Em 2022,
foram R$ 6,9 bilhões de receitas totais da Série A, mais de seis vezes nessa divisão diante de R$ 1,1
bilhões da Série B. Os custos com salários foram metade das receitas: R$ 3,4 bilhões.
Investimentos em contratações de atletas na Série A, em 2022, foram de R$ 1,3 bilhões. A
dívida de seus clubes ampliou-se e atingiu R$ 10 bilhões.
Os investimentos visam explorar o mercado propiciado pelo elevado percentual (82%) de
brasileiros apreciadores do futebol como um dos esportes favoritos, entre eles, 89% torcem para
algum time de futebol no Brasil. Mais de um quarto (26%) já comprou algum ativo digital, ligado ou
não a clubes. Surpreende a informação a respeito do consumo declarado de apostas no país com valor
bem acima dos demais: R$ 31 bilhões!
Ao comparar as fontes de receitas em 2022 com as do ano pré-pandemia (2019), em valores
corrigidos pelo IPCA, o total não se alterou muito: R$ 6.915 milhões contra R$ 6.867 milhões. Houve
mudanças na composição entre 2019 e 2022: redução de direitos de transmissão (de R$ R$ 2.871
milhões para R$ 2,765 milhões) e negociação de atletas (de R$ 1.572 milhões para R$ 1.234 milhões),
e aumento das receitas com publicidade (de R$ 758 milhões para R$ 1.321 milhões) e bilheteria/sócio
torcedor (de R$ 987 milhões para R$ 1.008 milhões).
Com isso, os percentuais dos direitos de transmissão caíram de 42% para 40%, assim como
os de negociação de atletas de 23% para 18%. Em contrapartida, elevaram-se os de publicidade de
11% para 19% e de bilheteria/sócio torcedor de 14% para 15%. A presença da torcida nos estádios
conta menos, mas é correlacionada com o interesse da audiência nas transmissões. As vitórias são
cruciais nas finanças do futebol.
O futebol opera com base em receitas variáveis. Não se trata de não-recorrentes, pois elas
existem e se repetem, entretanto, tem fluxo variável pelo desempenho em campo. Receitas com
Direitos de Transmissão e bônus de performance são exemplos delas.
Em termos reais, os clubes da Série A de 2022 gastaram um total de R$ 1,758 bilhão no ano
2022 com contratação de atletas, categorias de base e infraestrutura. Um aumento de 29% em relação
ao R$ 1,358 bilhão investido em 2021, um ano ainda com distanciamento social, mas apenas 9%
acima do investimento em 2019: R$ 1,619 bilhão.
O grande responsável por isso foi a prioridade dada à aquisição de novos atletas. O montante
destinado às categorias de base permaneceu próximo nos dois anos da pandemia e pouco abaixo ao
de 2019. Em infraestrutura, cresceu 55% desde 2018.
Quase todos os clubes, cujas finanças foram analisadas, aumentaram os investimentos com o
time principal no ano passado, com exceção de Atlético-MG, Bragantino, Grêmio e Palmeiras. Mas
64% do valor incremental veio da dupla de times cariocas: Botafogo (R$ 194 milhões) e Flamengo
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
(R$ 208 milhões), ambos em disputa pela liderança do Campeonato Brasileiro em 2023. O Cruzeiro
investiu abaixo de todos (R$ 31 milhões) e conquistou o título de campeão da Série B em 2022.
Alguns clubes gastaram com o elenco profissional além do devido. A preocupação por uma
melhora no desempenho esportivo foi um dos motivos para os dirigentes assumirem mais
compromissos financeiros acima do recomendável.
O Relatório utiliza o EBITDA (Earnings Before Interest, Depreciation and Amortization)
para mostrar o valor de sobra para o clube depois de pagar seus custos e despesas correntes. Na prática
do futebol, a geração de caixa acontece quando sobra dinheiro para o clube pagar suas dívidas e fazer
investimentos.
Gastar acima de 80% do EBITDA é aceitável apenas para clubes sem dívidas ou com posição
de caixa relevante. Athlético e Fortaleza se enquadram nesse grupo. O RB Bragantino possui fontes
de financiamento direto com o controlador, um bilionário austríaco dono da Red Bull e muitos outros
times no mundo para divulgação da marca.
Gastar acima do EBITDA só é possível se o clube conseguir financiamento para o
investimento. Na Série B, as SAFs (Cruzeiro, Botafogo, Vasco, Bahia), além do clube Grêmio,
registraram um EBITDA negativo. Logo, investimentos foram realizados com dívidas crescentes ou
aportes de capital.
Garotos chegam aos 13 anos nas categorias de base e se formam aos 18 ou 19 anos, este é
um tempo necessário para a maturação desse investimento. Por isso, os autores do Relatório fizeram
um exercício ao considerar os investimentos acumulados dos últimos 5 anos e os comparar com as
receitas de negociação de atletas.
Por exemplo, o Flamengo investiu R$ 184 milhões em sua base, durante 5 anos, e obteve
receita com negociação de atletas em três anos de R$ 564 milhões, ou seja, retorno sobre investimento
de 3,1 vezes. Ficou pouco abaixo do Palmeiras (R$ 494 milhões / R$ 127 milhões: 3,9) e do São
Paulo (R$ 500 milhões / R$ 128 milhões: 3,9). Por sua vez, o retorno do Cruzeiro ficou muito abaixo
(R$ 73 milhões / R$ 61 milhões: 1,2).
Cruzeiro (-55%), Grêmio (-48%) e Palmeiras (-38%) foram destaques pela redução de custos
e despesas em relação a 2021, com menções também a Atlético MG (-18%), Santos (-18%) e Bahia
(-30%). Para comparar diferenças de poder econômico, as despesas do Flamengo atingiram R$ 742
milhões e as do Cruzeiro R$ 131 milhões.
O Botafogo teve destaque negativo por ter gastado muito acima das suas receitas (R$ 249
milhões contra R$ 142 milhões), em 2022, enquanto Flamengo e Corinthians, outros dois com
aumento de gastos, se mantiveram dentro de níveis aceitáveis. As receitas do Flamengo atingiram R$
1.170 milhões e do Corinthians R$ 737 milhões, respectivamente, gastaram R$ 742 milhões e R$ 525
milhões. Têm as maiores torcidas.
Nas análises das dívidas, é necessário discriminar os dados de passivo para obter claramente
os números possíveis de gerar problemas aos clubes. Assim, o cálculo é composto pela soma de: (+)
Empréstimos e Financiamentos (+) Fornecedores (+) Valores a Pagar a Clubes e Agentes (+)
Impostos Parcelados (+) Salários, Direitos de Imagem, Encargos Sociais, Impostos e Contribuições
(-) Disponibilidades.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Não foram adicionados os Adiantamentos, porque enquanto o clube estiver operando os
adiantamentos tendem a ser recorrentes. Em outras atividades, os Salários e Encargos jamais seriam
dívidas, mas como no futebol é costume o atraso em seus pagamentos, é fundamental incluí-los na
conta.
Atrasar esses pagamentos aos atletas e servidores pode significar no futuro um grande
problema para os clubes. Para evitar os atrasos, é necessário ter dinheiro em caixa.
A situação dos débitos de cada clube brasileiro varia bastante. A maioria aumentou o passivo
de 2021 para 2022. Apenas Avaí, Coritiba, Cuiabá, Flamengo, Goiás e Juventude conseguiram
diminuir o quanto cada um deve. Por exemplo, as dívidas do Coritiba foram reduzidas graças ao
processo de Recuperação Judicial (RJ) ao qual o clube passou.
O Atlético-MG segue com a maior dívida: R$ 1,498 bilhão. Em seguida está o Corinthians:
R$ 1,029 bilhão. Depois vem o Cruzeiro com R$ 800 milhões.
Os números das SAFs são a soma de suas dívidas mais as dívidas das associações. Há riscos
de clubes ficarem insustentáveis por conta da necessidade de honrar dívidas.
Os exemplos de Botafogo, Cruzeiro e Vasco devem ser acompanhados. Os clubes viraram
SAF e ainda assim mostram como é difícil recuperar a competitividade perdida. Não há uma “saída
mágica” para problemas financeiros insolúveis sem inovação na gestão profissional ou empresarial.
Será o apoio de algum mecenas bilionário a fundo perdido ou investimento de um fundo soberano
e/ou investidor estrangeiro?
O estudo fez ainda uma projeção para avaliar quantos anos cada clube levaria para conseguir
acabar com as dívidas, caso as equipes utilizassem 20% das receitas médias anuais dos últimos quatro
anos (2019 a 2022) para pagá-las. Atlético-MG (20,9 anos), Cruzeiro (19,9), Botafogo (18,8), Vasco
(17,5) e RB Bragantino (12) são os clubes necessitados de mais tempo para concluir a árdua missão
de zerar o passivo. Cuiabá (0,2), Atlético-GO (0,8), Goiás (1,2), Flamengo (1,6) e Fortaleza (1,8)
seriam os mais rápidos a conseguirem tal feito.
A solução para uma melhor gestão financeira dos clubes passa por gastar melhor a diminuta
receita obtida. Aumentar a receita é difícil, então, melhorar seu uso é o ideal.
É necessário reestruturar as dívidas junto aos credores, apelando até mesmo para RJ, para
elas se tornarem administráveis. Leva tempo, sacrifica a competitividade atual, mas é a forma correta
de manter, seja o clube, seja a SAF, em longo prazo, segundo os autores do Relatório 2023 da
consultoria Convocados.
Bilionários Futebol Clube
Várias razões levam os bilionários estrangeiros a comprarem times de futebol.
Muitos bilionários são aficionados por futebol e têm uma paixão pessoal pelo esporte.
Comprar um time de futebol lhes permite participar ativamente na sua gestão e direção.
Ter a propriedade de um time de futebol de renome traz prestígio e status social. É
particularmente atraente para indivíduos com desejo de aumentar sua visibilidade e obter
reconhecimento público.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Ser dono de um clube de futebol proporciona oportunidades de networking. Conexões com
outras pessoas influentes e empresários são benéficas para os negócios e abrem portas para novas
parcerias e empreendimentos.
Proprietários de times de futebol obtêm uma influência considerável na sociedade. Utilizam
essa posição para promover causas sociais, envolver-se em questões políticas e contribuir para o
desenvolvimento e a promoção do esporte em seu país ou região.
Alguns bilionários veem a compra de um time de futebol como um investimento
potencialmente lucrativo. Clubes de futebol populares se forem bem administrados geram receitas
significativas por meio de vendas de ingressos, patrocínios, direitos de transmissão, merchandising e
transferências de jogadores.
O mundo do futebol é complexo por envolver diferentes dinâmicas financeiras, sociais e
culturais. Atraem até investidores estrangeiros.
Diversificar o patrimônio por meio de investimentos no esporte não é uma novidade entre os
bilionários da lista da Forbes, especialmente, norte-americanos: são 6 destes na lista dos 10 mais ricos
possuidores de equipes esportivas. Nos Estados Unidos, muitos bilionários compram participações
em clubes profissionais de ligas – como NFL (futebol americano), NBA (basquete), MLB (baseball),
NHL (hóquei) e MLS (futebol/soccer) – com objetivo de investir em vez de pagar impostos à Receita
Federal do país.
Deduzem despesas relacionadas à operação do clube, como salários de funcionários, viagens,
marketing e outras despesas comerciais legítimas. Os proprietários de clubes esportivos também
podem se beneficiar da depreciação de ativos do clube, como estádios, instalações e equipamentos.
Permite reduzir sua carga tributária anualmente.
Em alguns casos, os proprietários de clubes podem negociar acordos com governos locais
para receber subsídios ou incentivos fiscais para a construção ou a reforma de estádios. Esses acordos
podem incluir benefícios fiscais específicos, como isenção de impostos sobre a propriedade ou
redução de taxas.
A estratégia dos bilionários norte-americanos, para não terem sua fortuna confiscada por
impostos, resume-se ao trinômio buy (comprar), borrow (tomar emprestado) e die (morrer).
Compram ações e/ou imóveis, mas não se desfazem deles, para não gerar imposto a ser pago.
A lei americana só considera renda tributável quando há recebimento efetivo de dinheiro – e não
potencialmente como no caso de valorização das ações ou dos imóveis no mercado.
Em vez de receber salário e ter imposto de renda descontado na fonte, tomam empréstimos
baratos para manter o padrão de vida desejado, oferecendo como garantia colateral os ativos
comprados. Quando morrem, seus ativos – formas de manutenção de riqueza, inclusive ações e
imóveis – passam para os herdeiros livres de imposto de renda.
Por exemplo, foi noticiado na sexta-feira (16/05/23): o ex-jogador de basquete Michael
Jordan venderá sua participação majoritária no Charlotte Hornets da NBA para um consórcio de
investimentos. Aposentado das quadras em 2003, gastou cerca de US$ 275 milhões em 2010 (R$ 484
milhões na cotação da época) para assumir a maioria das ações dos Hornets, sendo o primeiro ex
jogador da NBA a se tonar dono de uma equipe. Sob os termos do acordo, os Hornets foram avaliados
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
em US$ 3 bilhões (por volta de R$ 14,5 bilhões), conforme o New York Times. Multiplicou mais de
dez vezes o valor investido!
Os seguintes bilionários proprietários de grandes clubes de futebol fazem parte da lista da
Forbes: Stanley Kroenke (Arsenal – Inglaterra e Los Angeles Rams da NFL - Estados Unidos), US$
10,7 bilhões; Nassef Sawiris (Aston Villa), US$ 7,7 bilhões; Dmitry Rybolovlev (Mônaco) US$ 6,6
bilhões; Rocco Commisso (Fiorentina), US$ 6,1 bilhões; Paul Singer (Milan), US$ 4,3 bilhões; John
Henry (Liverpool), US$ 3,6 bilhões; Florentino Pérez Rodríguez (Real Madrid), US$ 2 bilhões.
Além desses, há outros conhecidos bilionários: Roman Abramovich (Chelsea FC -
Inglaterra); Sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan (Manchester City FC - Inglaterra); Nasser Al
Khelaifi (Paris Saint-Germain FC - França); Andrea Agnelli (Juventus FC - Itália); Dietrich
Mateschitz (Red Bull Salzburg - Áustria e RB Leipzig - Alemanha); Zhang Jindong (Inter de Milão -
Itália); Joseph DaGrosa (Girondins de Bordeaux - França); Robert Kraft (New England Revolution
da MLS - EUA); Johan Rupert (Stellenbosch FC - África do Sul).
Roman Abramovich perdeu bilhões e caiu da 142ª para a 350ª posição entre os ricaços da
lista da Forbes. Ele nem aparece mais entre os mais ricos no recorte “donos de uma equipe esportiva”,
depois de estar em 8º em 2021.
Ele faz parte do grupo de oligarcas russos com bens confiscados como parte das sanções em
decorrência da invasão de militares russos na Ucrânia. Começou 2022 com US$ 15 bilhões em
patrimônio. Encolheu para US$ 6,9 bilhões em março. O futuro ex-dono do Chelsea FC colocou o
time à venda, mas os bens bloqueados impedem a operação.
Proprietários de outros grandes times, como Manchester City e Paris Saint-Germain não são
listados pela Forbes porque são de propriedade de Fundos Soberanos. São ligados a regimes
autoritários do Golfo Pérsico, respectivamente, emirado de Abu Dhabi e Catar.
No caso, suas motivações são diferentes das expressas pelos bilionários ocidentais. De
maneira análoga, a Arábia Saudita anunciou estatização dos principais clubes do país para contratar
craques globais, estratégia relacionada com patrocínios milionários, entrada no futebol europeu e
busca de influência geopolítica.
O reino teocrático islâmico conduz sua política externa de acordo com um programa
estratégico conhecido como Saudi Vision 2030. É maior exportador de petróleo do mundo com a
segunda maior reserva e a sexta maior reserva de gás natural.
Objetiva diversificar a economia do país (a 19ª maior) ao reduzir sua dependência da
exportação de petróleo. Ambiciona também colocar o país com 33,5 milhões de habitantes e 12º maior
território – a maior parte é deserto sem rios ou lagos, por isso usa água dessalinizada ou extraída em
aquíferos subterrâneos – como um dos principais centros políticos e financeiros do planeta.
A Arábia Saudita é uma monarquia absolutista teocrática sem Constituição para os cidadãos.
Nunca realizou eleições nacionais, portanto, partidos políticos são proibidos.
Ela tem histórico de desrespeito aos direitos humanos. Impõe uma posição submissa às
mulheres, não oferece liberdade religiosa e política e nem reconhece os direitos humanos. Suspeitos
são torturados para confessar e serem decapitados em público.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Planeja agora obter soft power, uma técnica de conquista de poder por vias não-bélicas, dentre
as quais os investimentos e suporte a eventos esportivos como a Copa do Mundo de futebol lá em
2030. Em paralelo, mesmo sem água doce, pratica o sportwashing: uso do esporte para “limpar a
imagem” de um regime, país ou grupo econômico, dada a popularidade dessa expressão cultural
esportiva ocidental agora espraiada pelo mundo.
Essa propaganda enganosa busca promover uma imagem positiva e encobrir atividades
negativas associadas a governos autoritários com histórico questionável em relação a direitos
humanos, liberdade de expressão, democracia ou outros problemas socioeconômicos. Eles buscam
alavancar o esporte, uma área altamente visível e popular, para melhorar sua reputação e imagem
globalmente.
Entre outras táticas comuns de sportwashing, governos buscam sediar eventos esportivos de
grande porte, como as Olimpíadas, a Copa do Mundo ou Campeonatos Mundiais de times campeões
continentais. Visa a promoção da cultura local e a apresentação de uma imagem de país acolhedor.
Por exemplo, no Brasil, o fundo de investimentos árabe Mubadala formalizou a dirigentes da
Libra uma proposta pela formação de um bloco comercial em lugar de uma liga nacional. Agora, para
comprar 12,5% dos direitos de mídia dos clubes, referentes ao Campeonato Brasileiro, por um período
de 50 anos, basta Corinthians, Flamengo, Palmeiras e São Paulo – os times mais poderosos em
torcidas e direitos de transmissão – a assinarem. Assim, concentrarão maior poder, distante da
concorrência dos outros.
Enfim, é sportwashing adquirir clubes esportivos renomados para se associarem a uma marca
positiva e ganharem prestígio e visibilidade. Isso pode ajudar a desviar a atenção de outras atividades
problemáticas dos bilionários, sejam pessoas, sejam países.
Lavagem de Dinheiro Futebol Clube
A maior “bolha de ativo”, em prazo médio, talvez seja o passe contratual de jogadores de
futebol. Basta ser bem-sucedido, em início da carreira profissional, para ser supervalorizado, porque
muitos empresários o usam para ganhar e/ou lavar dinheiro.
O atacante Vitor Roque, formado nas categorias de base do Cruzeiro, teve ligeira passagem
pelo Athletico-PR e já deve ser vendido para o Barcelona. O Diario As noticiou: o time catalão pagará
cerca de 40 milhões de euros (R$ 209,6 milhões na cotação atual) pelo jovem de apenas 18 anos,
artilheiro da Seleção Brasileira sub-20 na Sul-americana.
Com apenas 17 anos, Vitor Roque marcou seis gols e deu uma assistência em 11 partidas pelo
time principal do Cruzeiro em 2022. No Athletico-PR, o centroavante disputou 61 jogos, tendo feito
17 gols e distribuído sete assistências.
O Cruzeiro cobra do Athletico-PR, na Justiça, R$ 56 milhões pela negociação de Vitor Roque.
A ação, tramitando na CNRD (Câmara Nacional de Resoluções e Disputas), é referente a uma regra
em relação à renovação de contrato de Vitor Roque.
A alegação é ter feito uma proposta de extensão de vínculo com ele antes de o Athletico-PR
depositar o valor referente à multa rescisória do jogador em abril de 2022. O time mineiro possuía
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
preferência para renovar com o atleta, mas seu ex-diretor de futebol foi para o clube paranaense e
usou a inside information para contratar o jovem talento.
O clube celeste chegou a protocolar a renovação na Federação Mineira de Futebol (FMF),
mas, ainda assim, o Athletico-PR depositou o valor referente ao contrato antigo. Para o Cruzeiro, ele
precisava ter acionado o clube sobre a proposta para Vitor Roque e o time celeste teria, então, a
possibilidade de igualar as cifras oferecidas ao atleta.
No Brasil, para o mercado nacional, a multa rescisória é definida de acordo com o salário do
jogador. Portanto, uma extensão automática do contrato de Vitor Roque, com valorização salarial,
aumentaria o valor necessário para tirar o atacante do Cruzeiro.
Há ainda uma segunda ação preventiva na qual o Cruzeiro pede correção do valor pago pelo
Athletico-PR. De acordo com o clube mineiro, o paranaense depositou R$ 24 milhões, mas algumas
valorizações salariais recebidas por Vitor Roque antes de deixar o time celeste elevariam o valor para
R$ 27 milhões.
Apesar da pequena recuperação em 2022 com relação a 2021 (+10% em euros), as receitas
com negociação de atletas brasileiros em moeda forte ainda estão 31% abaixo de 2019, segundo o
Relatório 2023 das consultorias Convocados, Galapagos e OutField. A justificativa é a demanda por
atletas mais jovens e, consequentemente, com valor de multa menores.
Além disso, os atletas estão levando seus contratos até o fim, deixando os clubes sem direito
a ressarcimento financeiro. Esta prática tem sido vista também na Europa.
São Paulo (R$ 229 milhões) foi o maior destaque em termos de negociações. No caso, suas
receitas foram impactadas em cerca de R$ 100 milhões pela revenda de atletas formados já na Europa:
Antony para o Barcelona e Casemiro para o Manchester United.
Os clubes não podem depender só das receitas com negociações de atleta, pois são incertas,
embora elas façam parte do negócio do futebol. O principal aspecto a ser avaliado é o nível de
dependência dos clubes brasileiros em relação a esse tipo de receitas. As simulações das citadas
consultorias apontam o intervalo ideal ficar entre 10% e 25% das receitas totais, caso tenham alguma
recorrência.
A pandemia reduziu o volume de negociações na Europa, impactando nas negociações de
atletas do Brasil para o continente. A Inglaterra segue sendo o país de destino da maioria das
negociações. Na principal janela de transferência, a do verão europeu (agosto), dos 10 maiores valores
de transferência, 7 envolviam chegadas de atletas na Inglaterra. Na janela de inverno (janeiro), lá se
comprou 8 entre as 10 maiores vendas.
A Inglaterra movimenta mais dinheiro, mas menos atletas. O valor médio de contratação por
atleta é mais alto diante do registrado nas demais ligas. Itália e Portugal movimentam muitos atletas,
mas de menor valor.
Maior movimento e menor valor tem relação direta com o perfil da liga. Na Itália, há muita
movimentação interna, enquanto Portugal, Países Baixos e França recebem atletas jovens para
finalizar formação e revender.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Em 2022, houve aumento da presença de negociações abaixo de € 2 milhões como reflexo da
redução na ideia média das contratações. Mas foram também retomadas as negociações acima de €
50 milhões, indicando o mercado estar se recuperando.
Comparando 2019 com 2022, a Inglaterra passou a optar por contratações de atletas mais
maduros. Ter mais dinheiro permite acessar atletas com maior experiência e chance de acertar logo.
Exceto na da Espanha, no meio termo, as demais ligas optam por atletas mais jovens, adotando a
prática de formação, especialmente, na Alemanha, França, Países Baixos e Portugal.
Negociar atletas é parte (ou arte) do negócio. Há o exemplo italiano de instabilidade, onde
historicamente o lucro na negociação de atletas representava mais de 20% das receitas, e houve queda
brusca para 12%, em 2020-2021, por conta da pandemia. É preciso fazer as escolhas certas, formar
bem e se apropriar do ganho pela formação.
Outra parte do negócio do futebol é escuso, ou seja, incita desconfiança, tende a ser
misterioso, porque não está em conformidade com a lei e, portanto, é ilícito. A lavagem de dinheiro
no futebol pode ocorrer de várias maneiras como os seguintes exemplos.
Uma forma comum de lavagem de dinheiro no futebol é a compra de clubes de futebol.
Indivíduos com fundos ilícitos adquirem clubes para usar o futebol como uma fachada legítima para
justificar a origem de seu dinheiro.
Outra forma de lavagem de dinheiro é através de investimentos em jogadores. Muitos
bilionários compram jogadores, investem em seus direitos econômicos em conluio com os
administradores de carreiras de atletas, capazes de intermediar suas transferências, e usam essas
transações como meio de introduzir dinheiro ilegal no sistema financeiro.
A lavagem de dinheiro também pode ocorrer por meio de pagamentos não declarados a
jogadores e agentes. Parte do dinheiro ilegal é mascarada como salários ou comissões “por fora”
concedidas a jogadores e agentes envolvidos em transações de jogadores.
Lavadores de dinheiro realizam transferências financeiras complexas e obscuras entre
diferentes países e contas bancárias, dificultando o rastreamento e a identificação da origem do
dinheiro. Paraísos fiscais são utilizados para ocultar a verdadeira identidade dos envolvidos e facilitar
a transferência de dinheiro de forma a dificultar a rastreabilidade dos recursos.
Também empresas fictícias ou controladas por lavadores de dinheiro são usadas para firmar
contratos de patrocínio ou adquirir direitos de transmissão de partidas de futebol. Permite o dinheiro
sujo ser injetado nele sob a aparência de investimento legítimo.
Há um sistema ilegal dedicado a maximizar lucros de indivíduos em detrimento dos clubes.
É um sistema de divisão de comissões bastante experimentado. Um clube compra um jogador de
outro por um valor de transferência acordado entre eles. Os agentes recebem uma comissão na forma
de um percentual do valor dessa transação.
Eles repassam então parte de sua comissão aos demais indivíduos facilitadores da transação.
Muitos técnicos participam das “jogadas de troca-de-favor”: contratam, indicam ou escalam
jogadores para receber comissão (“prêmio”) com a valorização deles e sua venda posterior.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Essa propina é discretamente paga em dinheiro vivo ou por meio de “presentes” como
relógios de luxo ou até carros premium. É evasão fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro!
Esses abusos se devem à concentração de grandes somas de dinheiro em uma mesma
transação na qual diferentes partes estão interessadas, ao poder discricionário de uma única pessoa
como o diretor de futebol, ao valor subjetivo da “mercadoria”, sem baliza para avaliação do preço de
um jogador de futebol, e à flexibilidade da legislação em matéria de conflitos de interesse: atuar em
causa própria ao ocupar cargo de decisões.
Tudo isso ocorre em contexto de fragilidade financeira do futebol profissional. A maioria
dos clubes encontra-se em situação precária e necessita das transferências de jogadores para tentar
equilibrar as contas.
Para investigar, o follow the Money é facilitado porque os valores anunciados nas
transferências nunca são pagos à vista de uma única vez, mas em parcelas, semestrais ou anuais, de
acordo com a duração dos acordos. O agente de jogadores paga as várias partes interessadas ou
corruptas no mesmo ritmo e para isso precisa manter registros. Basta a polícia fazer busca e apreensão
em residências e escritórios para os encontrar.
Corrupção Futebol Clube
O escândalo de corrupção na FIFA (Federação Internacional de Futebol), em 2015, abalou
sua reputação e levou à prisão de vários dirigentes da entidade. O Departamento de Justiça dos
Estados Unidos investigou a corrupção generalizada dentro da FIFA, incluindo subornos, lavagem de
dinheiro e fraude em conexão com a comercialização de direitos de transmissão e marketing de
competições como a Copa do Mundo. O então presidente da FIFA, Joseph Blatter, renunciou ao cargo
em meio ao escândalo.
A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) esteve envolvida nessa corrupção. Autoridades
suíças prenderam sete dirigentes de futebol, incluindo o então presidente da CBF, José Maria Marin,
em conexão com a investigação de corrupção na FIFA. O escândalo resultou em mudanças na
liderança da entidade.
Esses casos evidenciaram a necessidade de reformas profundas nas estruturas e práticas de
governança do futebol. Visariam aumentar a transparência e a prestação de contas.
A corrupção no futebol ocorre de várias formas e envolve diversos agentes dentro e fora do
esporte. Entre os métodos e as práticas corruptas mais comuns no futebol encontra-se o suborno. Esse
método envolve a oferta ou aceitação de dinheiro ou benefícios pessoais para influenciar resultados
de jogos, arbitragem, transferências de jogadores, escolha de sedes de competições e outros aspectos
relacionados ao esporte.
Recentemente, em função de apostas, revelou-se a manipulação de resultados no futebol
brasileiro, outra forma de corrupção. Envolveu jogadores, mas treinadores e árbitros podem ter o
propósito de deliberadamente influenciar o resultado de jogos em troca de benefícios financeiros.
A corrupção também ocorre nos contratos e nas negociações de transferências de jogadores.
Agentes, dirigentes de clubes e intermediários recebem subornos ou comissões irregulares para
facilitar ou influenciar as transações.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Além disso, há práticas de má gestão financeira, como desvio de fundos, fraudes contábeis,
evasão fiscal e manipulação de contratos de patrocínio e direitos de transmissão. Uma antiga diretoria
do Cruzeiro está sendo processada por isso, além de ter contratado jogadores no fim-de-carreira por
valores absurdos à custa de endividamento futuro em processos trabalhistas pelo não pagamento do
combinado.
Há conflitos de interesse não declarados ou maliciosos. Envolvem dirigentes, agentes ou
outros envolvidos no esporte ao tomarem decisões em benefício de seus próprios interesses
financeiros.
O futebol também é utilizado como meio para a lavagem de dinheiro obtido de atividades
ilegais. Dinheiro sujo é investido em clubes, jogadores ou em transferências de jogadores para fins
de camuflagem e ocultação da origem ilícita em corrupção, tráfico ou fraude.
O crime de lavagem de dinheiro consiste em três etapas para reinserção formalizada do
dinheiro ilícito no sistema financeiro. É o caso do “dinheiro por fora” para evasão fiscal.
A colocação acontece por meio dinheiro vivo na compra de bens, imóveis ou obras de arte,
criptomoedas etc. Por meio da fragmentação do valor monetário em pequenas quantias de depósitos
à vista, a movimentação financeira não precisa ser comunicada e passa despercebida aos órgãos
fiscalizadores.
Na fase da ocultação, o principal objetivo é esconder a origem do dinheiro advindo de
infrações penais. Através de ações como transferências bancárias ou pela utilização de “contas
fantasmas” (abertas com documentos reais em nomes de pessoas inexistentes), o rastreamento dos
bens ou recursos financeiros ilegais acaba sendo dificultado.
Como última das etapas da lavagem de dinheiro, os recursos ilícitos são formalmente
reinseridos no sistema financeiro. Essa integração ocorre por meio de investimentos em negócios
lícitos ou compra de ativos com documentos supostamente legais.
Para combater a corrupção no futebol, são necessárias medidas de governança, transparência,
fiscalização e aplicação da lei, bem como o envolvimento de entidades reguladoras e órgãos policiais
internacionais – e não só “raposa cuidando do galinheiro”.
Um exemplo dessa atitude vigilante está na minissérie documental na Apple TV: Superliga.
Refere-se à proposta controversa, anunciada em abril de 2021, para a criação de uma competição
apenas entre clubes de elite na Europa.
A ideia era estabelecer uma liga fechada, composta por 12 clubes fundadores com garantia
de participação permanente, independentemente de seu desempenho esportivo: Juventus, AC Milan
e Internazionale da Itália; Atlético de Madrid, Barcelona e Real Madrid da Espanha; Arsenal, Chelsea,
Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham Hotspur da Inglaterra.
Evidentemente, grandes clubes como o Bayern de Munich (Alemanha), PSG (França), Ajax
(Holanda), Benfica (Portugal), entre outros, não apoiaram, assim como os clubes de outros países
costumeiros participantes da Champion League e da Copa da UEFA com ascensão e rebaixamento.
Suas torcidas pertencem a grandes comunidades.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.Fernando Nogueira da Costa
Esses números, apresentados pela EY, são diferentes dos apresentados no Relatório de 2023,
produzido pelas consultorias Convocados, Galapagos e OutField. Estão nos quadros do Anexo
Estatístico (AE).
O Relatório permite o acompanhamento da evolução das finanças dos clubes futebolísticos
e a comparação com os associados com SAF – Sociedade Anônima do Futebol. As dificuldades
financeiras levaram à experimentação desse novo modelo de gestão.
Alguns números agregados (consultar AE) dão uma impressão inicial do conjunto. Em 2022,
foram R$ 6,9 bilhões de receitas totais da Série A, mais de seis vezes nessa divisão diante de R$ 1,1
bilhões da Série B. Os custos com salários foram metade das receitas: R$ 3,4 bilhões.
Investimentos em contratações de atletas na Série A, em 2022, foram de R$ 1,3 bilhões. A
dívida de seus clubes ampliou-se e atingiu R$ 10 bilhões.
Os investimentos visam explorar o mercado propiciado pelo elevado percentual (82%) de
brasileiros apreciadores do futebol como um dos esportes favoritos, entre eles, 89% torcem para
algum time de futebol no Brasil. Mais de um quarto (26%) já comprou algum ativo digital, ligado ou
não a clubes. Surpreende a informação a respeito do consumo declarado de apostas no país com valor
bem acima dos demais: R$ 31 bilhões!
Ao comparar as fontes de receitas em 2022 com as do ano pré-pandemia (2019), em valores
corrigidos pelo IPCA, o total não se alterou muito: R$ 6.915 milhões contra R$ 6.867 milhões. Houve
mudanças na composição entre 2019 e 2022: redução de direitos de transmissão (de R$ R$ 2.871
milhões para R$ 2,765 milhões) e negociação de atletas (de R$ 1.572 milhões para R$ 1.234 milhões),
e aumento das receitas com publicidade (de R$ 758 milhões para R$ 1.321 milhões) e bilheteria/sócio
torcedor (de R$ 987 milhões para R$ 1.008 milhões).
Com isso, os percentuais dos direitos de transmissão caíram de 42% para 40%, assim como
os de negociação de atletas de 23% para 18%. Em contrapartida, elevaram-se os de publicidade de
11% para 19% e de bilheteria/sócio torcedor de 14% para 15%. A presença da torcida nos estádios
conta menos, mas é correlacionada com o interesse da audiência nas transmissões. As vitórias são
cruciais nas finanças do futebol.
O futebol opera com base em receitas variáveis. Não se trata de não-recorrentes, pois elas
existem e se repetem, entretanto, tem fluxo variável pelo desempenho em campo. Receitas com
Direitos de Transmissão e bônus de performance são exemplos delas.
Em termos reais, os clubes da Série A de 2022 gastaram um total de R$ 1,758 bilhão no ano
2022 com contratação de atletas, categorias de base e infraestrutura. Um aumento de 29% em relação
ao R$ 1,358 bilhão investido em 2021, um ano ainda com distanciamento social, mas apenas 9%
acima do investimento em 2019: R$ 1,619 bilhão.
O grande responsável por isso foi a prioridade dada à aquisição de novos atletas. O montante
destinado às categorias de base permaneceu próximo nos dois anos da pandemia e pouco abaixo ao
de 2019. Em infraestrutura, cresceu 55% desde 2018.
Quase todos os clubes, cujas finanças foram analisadas, aumentaram os investimentos com o
time principal no ano passado, com exceção de Atlético-MG, Bragantino, Grêmio e Palmeiras. Mas
64% do valor incremental veio da dupla de times cariocas: Botafogo (R$ 194 milhões) e Flamengo
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
(R$ 208 milhões), ambos em disputa pela liderança do Campeonato Brasileiro em 2023. O Cruzeiro
investiu abaixo de todos (R$ 31 milhões) e conquistou o título de campeão da Série B em 2022.
Alguns clubes gastaram com o elenco profissional além do devido. A preocupação por uma
melhora no desempenho esportivo foi um dos motivos para os dirigentes assumirem mais
compromissos financeiros acima do recomendável.
O Relatório utiliza o EBITDA (Earnings Before Interest, Depreciation and Amortization)
para mostrar o valor de sobra para o clube depois de pagar seus custos e despesas correntes. Na prática
do futebol, a geração de caixa acontece quando sobra dinheiro para o clube pagar suas dívidas e fazer
investimentos.
Gastar acima de 80% do EBITDA é aceitável apenas para clubes sem dívidas ou com posição
de caixa relevante. Athlético e Fortaleza se enquadram nesse grupo. O RB Bragantino possui fontes
de financiamento direto com o controlador, um bilionário austríaco dono da Red Bull e muitos outros
times no mundo para divulgação da marca.
Gastar acima do EBITDA só é possível se o clube conseguir financiamento para o
investimento. Na Série B, as SAFs (Cruzeiro, Botafogo, Vasco, Bahia), além do clube Grêmio,
registraram um EBITDA negativo. Logo, investimentos foram realizados com dívidas crescentes ou
aportes de capital.
Garotos chegam aos 13 anos nas categorias de base e se formam aos 18 ou 19 anos, este é
um tempo necessário para a maturação desse investimento. Por isso, os autores do Relatório fizeram
um exercício ao considerar os investimentos acumulados dos últimos 5 anos e os comparar com as
receitas de negociação de atletas.
Por exemplo, o Flamengo investiu R$ 184 milhões em sua base, durante 5 anos, e obteve
receita com negociação de atletas em três anos de R$ 564 milhões, ou seja, retorno sobre investimento
de 3,1 vezes. Ficou pouco abaixo do Palmeiras (R$ 494 milhões / R$ 127 milhões: 3,9) e do São
Paulo (R$ 500 milhões / R$ 128 milhões: 3,9). Por sua vez, o retorno do Cruzeiro ficou muito abaixo
(R$ 73 milhões / R$ 61 milhões: 1,2).
Cruzeiro (-55%), Grêmio (-48%) e Palmeiras (-38%) foram destaques pela redução de custos
e despesas em relação a 2021, com menções também a Atlético MG (-18%), Santos (-18%) e Bahia
(-30%). Para comparar diferenças de poder econômico, as despesas do Flamengo atingiram R$ 742
milhões e as do Cruzeiro R$ 131 milhões.
O Botafogo teve destaque negativo por ter gastado muito acima das suas receitas (R$ 249
milhões contra R$ 142 milhões), em 2022, enquanto Flamengo e Corinthians, outros dois com
aumento de gastos, se mantiveram dentro de níveis aceitáveis. As receitas do Flamengo atingiram R$
1.170 milhões e do Corinthians R$ 737 milhões, respectivamente, gastaram R$ 742 milhões e R$ 525
milhões. Têm as maiores torcidas.
Nas análises das dívidas, é necessário discriminar os dados de passivo para obter claramente
os números possíveis de gerar problemas aos clubes. Assim, o cálculo é composto pela soma de: (+)
Empréstimos e Financiamentos (+) Fornecedores (+) Valores a Pagar a Clubes e Agentes (+)
Impostos Parcelados (+) Salários, Direitos de Imagem, Encargos Sociais, Impostos e Contribuições
(-) Disponibilidades.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Não foram adicionados os Adiantamentos, porque enquanto o clube estiver operando os
adiantamentos tendem a ser recorrentes. Em outras atividades, os Salários e Encargos jamais seriam
dívidas, mas como no futebol é costume o atraso em seus pagamentos, é fundamental incluí-los na
conta.
Atrasar esses pagamentos aos atletas e servidores pode significar no futuro um grande
problema para os clubes. Para evitar os atrasos, é necessário ter dinheiro em caixa.
A situação dos débitos de cada clube brasileiro varia bastante. A maioria aumentou o passivo
de 2021 para 2022. Apenas Avaí, Coritiba, Cuiabá, Flamengo, Goiás e Juventude conseguiram
diminuir o quanto cada um deve. Por exemplo, as dívidas do Coritiba foram reduzidas graças ao
processo de Recuperação Judicial (RJ) ao qual o clube passou.
O Atlético-MG segue com a maior dívida: R$ 1,498 bilhão. Em seguida está o Corinthians:
R$ 1,029 bilhão. Depois vem o Cruzeiro com R$ 800 milhões.
Os números das SAFs são a soma de suas dívidas mais as dívidas das associações. Há riscos
de clubes ficarem insustentáveis por conta da necessidade de honrar dívidas.
Os exemplos de Botafogo, Cruzeiro e Vasco devem ser acompanhados. Os clubes viraram
SAF e ainda assim mostram como é difícil recuperar a competitividade perdida. Não há uma “saída
mágica” para problemas financeiros insolúveis sem inovação na gestão profissional ou empresarial.
Será o apoio de algum mecenas bilionário a fundo perdido ou investimento de um fundo soberano
e/ou investidor estrangeiro?
O estudo fez ainda uma projeção para avaliar quantos anos cada clube levaria para conseguir
acabar com as dívidas, caso as equipes utilizassem 20% das receitas médias anuais dos últimos quatro
anos (2019 a 2022) para pagá-las. Atlético-MG (20,9 anos), Cruzeiro (19,9), Botafogo (18,8), Vasco
(17,5) e RB Bragantino (12) são os clubes necessitados de mais tempo para concluir a árdua missão
de zerar o passivo. Cuiabá (0,2), Atlético-GO (0,8), Goiás (1,2), Flamengo (1,6) e Fortaleza (1,8)
seriam os mais rápidos a conseguirem tal feito.
A solução para uma melhor gestão financeira dos clubes passa por gastar melhor a diminuta
receita obtida. Aumentar a receita é difícil, então, melhorar seu uso é o ideal.
É necessário reestruturar as dívidas junto aos credores, apelando até mesmo para RJ, para
elas se tornarem administráveis. Leva tempo, sacrifica a competitividade atual, mas é a forma correta
de manter, seja o clube, seja a SAF, em longo prazo, segundo os autores do Relatório 2023 da
consultoria Convocados.
Bilionários Futebol Clube
Várias razões levam os bilionários estrangeiros a comprarem times de futebol.
Muitos bilionários são aficionados por futebol e têm uma paixão pessoal pelo esporte.
Comprar um time de futebol lhes permite participar ativamente na sua gestão e direção.
Ter a propriedade de um time de futebol de renome traz prestígio e status social. É
particularmente atraente para indivíduos com desejo de aumentar sua visibilidade e obter
reconhecimento público.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Ser dono de um clube de futebol proporciona oportunidades de networking. Conexões com
outras pessoas influentes e empresários são benéficas para os negócios e abrem portas para novas
parcerias e empreendimentos.
Proprietários de times de futebol obtêm uma influência considerável na sociedade. Utilizam
essa posição para promover causas sociais, envolver-se em questões políticas e contribuir para o
desenvolvimento e a promoção do esporte em seu país ou região.
Alguns bilionários veem a compra de um time de futebol como um investimento
potencialmente lucrativo. Clubes de futebol populares se forem bem administrados geram receitas
significativas por meio de vendas de ingressos, patrocínios, direitos de transmissão, merchandising e
transferências de jogadores.
O mundo do futebol é complexo por envolver diferentes dinâmicas financeiras, sociais e
culturais. Atraem até investidores estrangeiros.
Diversificar o patrimônio por meio de investimentos no esporte não é uma novidade entre os
bilionários da lista da Forbes, especialmente, norte-americanos: são 6 destes na lista dos 10 mais ricos
possuidores de equipes esportivas. Nos Estados Unidos, muitos bilionários compram participações
em clubes profissionais de ligas – como NFL (futebol americano), NBA (basquete), MLB (baseball),
NHL (hóquei) e MLS (futebol/soccer) – com objetivo de investir em vez de pagar impostos à Receita
Federal do país.
Deduzem despesas relacionadas à operação do clube, como salários de funcionários, viagens,
marketing e outras despesas comerciais legítimas. Os proprietários de clubes esportivos também
podem se beneficiar da depreciação de ativos do clube, como estádios, instalações e equipamentos.
Permite reduzir sua carga tributária anualmente.
Em alguns casos, os proprietários de clubes podem negociar acordos com governos locais
para receber subsídios ou incentivos fiscais para a construção ou a reforma de estádios. Esses acordos
podem incluir benefícios fiscais específicos, como isenção de impostos sobre a propriedade ou
redução de taxas.
A estratégia dos bilionários norte-americanos, para não terem sua fortuna confiscada por
impostos, resume-se ao trinômio buy (comprar), borrow (tomar emprestado) e die (morrer).
Compram ações e/ou imóveis, mas não se desfazem deles, para não gerar imposto a ser pago.
A lei americana só considera renda tributável quando há recebimento efetivo de dinheiro – e não
potencialmente como no caso de valorização das ações ou dos imóveis no mercado.
Em vez de receber salário e ter imposto de renda descontado na fonte, tomam empréstimos
baratos para manter o padrão de vida desejado, oferecendo como garantia colateral os ativos
comprados. Quando morrem, seus ativos – formas de manutenção de riqueza, inclusive ações e
imóveis – passam para os herdeiros livres de imposto de renda.
Por exemplo, foi noticiado na sexta-feira (16/05/23): o ex-jogador de basquete Michael
Jordan venderá sua participação majoritária no Charlotte Hornets da NBA para um consórcio de
investimentos. Aposentado das quadras em 2003, gastou cerca de US$ 275 milhões em 2010 (R$ 484
milhões na cotação da época) para assumir a maioria das ações dos Hornets, sendo o primeiro ex
jogador da NBA a se tonar dono de uma equipe. Sob os termos do acordo, os Hornets foram avaliados
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
em US$ 3 bilhões (por volta de R$ 14,5 bilhões), conforme o New York Times. Multiplicou mais de
dez vezes o valor investido!
Os seguintes bilionários proprietários de grandes clubes de futebol fazem parte da lista da
Forbes: Stanley Kroenke (Arsenal – Inglaterra e Los Angeles Rams da NFL - Estados Unidos), US$
10,7 bilhões; Nassef Sawiris (Aston Villa), US$ 7,7 bilhões; Dmitry Rybolovlev (Mônaco) US$ 6,6
bilhões; Rocco Commisso (Fiorentina), US$ 6,1 bilhões; Paul Singer (Milan), US$ 4,3 bilhões; John
Henry (Liverpool), US$ 3,6 bilhões; Florentino Pérez Rodríguez (Real Madrid), US$ 2 bilhões.
Além desses, há outros conhecidos bilionários: Roman Abramovich (Chelsea FC -
Inglaterra); Sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan (Manchester City FC - Inglaterra); Nasser Al
Khelaifi (Paris Saint-Germain FC - França); Andrea Agnelli (Juventus FC - Itália); Dietrich
Mateschitz (Red Bull Salzburg - Áustria e RB Leipzig - Alemanha); Zhang Jindong (Inter de Milão -
Itália); Joseph DaGrosa (Girondins de Bordeaux - França); Robert Kraft (New England Revolution
da MLS - EUA); Johan Rupert (Stellenbosch FC - África do Sul).
Roman Abramovich perdeu bilhões e caiu da 142ª para a 350ª posição entre os ricaços da
lista da Forbes. Ele nem aparece mais entre os mais ricos no recorte “donos de uma equipe esportiva”,
depois de estar em 8º em 2021.
Ele faz parte do grupo de oligarcas russos com bens confiscados como parte das sanções em
decorrência da invasão de militares russos na Ucrânia. Começou 2022 com US$ 15 bilhões em
patrimônio. Encolheu para US$ 6,9 bilhões em março. O futuro ex-dono do Chelsea FC colocou o
time à venda, mas os bens bloqueados impedem a operação.
Proprietários de outros grandes times, como Manchester City e Paris Saint-Germain não são
listados pela Forbes porque são de propriedade de Fundos Soberanos. São ligados a regimes
autoritários do Golfo Pérsico, respectivamente, emirado de Abu Dhabi e Catar.
No caso, suas motivações são diferentes das expressas pelos bilionários ocidentais. De
maneira análoga, a Arábia Saudita anunciou estatização dos principais clubes do país para contratar
craques globais, estratégia relacionada com patrocínios milionários, entrada no futebol europeu e
busca de influência geopolítica.
O reino teocrático islâmico conduz sua política externa de acordo com um programa
estratégico conhecido como Saudi Vision 2030. É maior exportador de petróleo do mundo com a
segunda maior reserva e a sexta maior reserva de gás natural.
Objetiva diversificar a economia do país (a 19ª maior) ao reduzir sua dependência da
exportação de petróleo. Ambiciona também colocar o país com 33,5 milhões de habitantes e 12º maior
território – a maior parte é deserto sem rios ou lagos, por isso usa água dessalinizada ou extraída em
aquíferos subterrâneos – como um dos principais centros políticos e financeiros do planeta.
A Arábia Saudita é uma monarquia absolutista teocrática sem Constituição para os cidadãos.
Nunca realizou eleições nacionais, portanto, partidos políticos são proibidos.
Ela tem histórico de desrespeito aos direitos humanos. Impõe uma posição submissa às
mulheres, não oferece liberdade religiosa e política e nem reconhece os direitos humanos. Suspeitos
são torturados para confessar e serem decapitados em público.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Planeja agora obter soft power, uma técnica de conquista de poder por vias não-bélicas, dentre
as quais os investimentos e suporte a eventos esportivos como a Copa do Mundo de futebol lá em
2030. Em paralelo, mesmo sem água doce, pratica o sportwashing: uso do esporte para “limpar a
imagem” de um regime, país ou grupo econômico, dada a popularidade dessa expressão cultural
esportiva ocidental agora espraiada pelo mundo.
Essa propaganda enganosa busca promover uma imagem positiva e encobrir atividades
negativas associadas a governos autoritários com histórico questionável em relação a direitos
humanos, liberdade de expressão, democracia ou outros problemas socioeconômicos. Eles buscam
alavancar o esporte, uma área altamente visível e popular, para melhorar sua reputação e imagem
globalmente.
Entre outras táticas comuns de sportwashing, governos buscam sediar eventos esportivos de
grande porte, como as Olimpíadas, a Copa do Mundo ou Campeonatos Mundiais de times campeões
continentais. Visa a promoção da cultura local e a apresentação de uma imagem de país acolhedor.
Por exemplo, no Brasil, o fundo de investimentos árabe Mubadala formalizou a dirigentes da
Libra uma proposta pela formação de um bloco comercial em lugar de uma liga nacional. Agora, para
comprar 12,5% dos direitos de mídia dos clubes, referentes ao Campeonato Brasileiro, por um período
de 50 anos, basta Corinthians, Flamengo, Palmeiras e São Paulo – os times mais poderosos em
torcidas e direitos de transmissão – a assinarem. Assim, concentrarão maior poder, distante da
concorrência dos outros.
Enfim, é sportwashing adquirir clubes esportivos renomados para se associarem a uma marca
positiva e ganharem prestígio e visibilidade. Isso pode ajudar a desviar a atenção de outras atividades
problemáticas dos bilionários, sejam pessoas, sejam países.
Lavagem de Dinheiro Futebol Clube
A maior “bolha de ativo”, em prazo médio, talvez seja o passe contratual de jogadores de
futebol. Basta ser bem-sucedido, em início da carreira profissional, para ser supervalorizado, porque
muitos empresários o usam para ganhar e/ou lavar dinheiro.
O atacante Vitor Roque, formado nas categorias de base do Cruzeiro, teve ligeira passagem
pelo Athletico-PR e já deve ser vendido para o Barcelona. O Diario As noticiou: o time catalão pagará
cerca de 40 milhões de euros (R$ 209,6 milhões na cotação atual) pelo jovem de apenas 18 anos,
artilheiro da Seleção Brasileira sub-20 na Sul-americana.
Com apenas 17 anos, Vitor Roque marcou seis gols e deu uma assistência em 11 partidas pelo
time principal do Cruzeiro em 2022. No Athletico-PR, o centroavante disputou 61 jogos, tendo feito
17 gols e distribuído sete assistências.
O Cruzeiro cobra do Athletico-PR, na Justiça, R$ 56 milhões pela negociação de Vitor Roque.
A ação, tramitando na CNRD (Câmara Nacional de Resoluções e Disputas), é referente a uma regra
em relação à renovação de contrato de Vitor Roque.
A alegação é ter feito uma proposta de extensão de vínculo com ele antes de o Athletico-PR
depositar o valor referente à multa rescisória do jogador em abril de 2022. O time mineiro possuía
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
preferência para renovar com o atleta, mas seu ex-diretor de futebol foi para o clube paranaense e
usou a inside information para contratar o jovem talento.
O clube celeste chegou a protocolar a renovação na Federação Mineira de Futebol (FMF),
mas, ainda assim, o Athletico-PR depositou o valor referente ao contrato antigo. Para o Cruzeiro, ele
precisava ter acionado o clube sobre a proposta para Vitor Roque e o time celeste teria, então, a
possibilidade de igualar as cifras oferecidas ao atleta.
No Brasil, para o mercado nacional, a multa rescisória é definida de acordo com o salário do
jogador. Portanto, uma extensão automática do contrato de Vitor Roque, com valorização salarial,
aumentaria o valor necessário para tirar o atacante do Cruzeiro.
Há ainda uma segunda ação preventiva na qual o Cruzeiro pede correção do valor pago pelo
Athletico-PR. De acordo com o clube mineiro, o paranaense depositou R$ 24 milhões, mas algumas
valorizações salariais recebidas por Vitor Roque antes de deixar o time celeste elevariam o valor para
R$ 27 milhões.
Apesar da pequena recuperação em 2022 com relação a 2021 (+10% em euros), as receitas
com negociação de atletas brasileiros em moeda forte ainda estão 31% abaixo de 2019, segundo o
Relatório 2023 das consultorias Convocados, Galapagos e OutField. A justificativa é a demanda por
atletas mais jovens e, consequentemente, com valor de multa menores.
Além disso, os atletas estão levando seus contratos até o fim, deixando os clubes sem direito
a ressarcimento financeiro. Esta prática tem sido vista também na Europa.
São Paulo (R$ 229 milhões) foi o maior destaque em termos de negociações. No caso, suas
receitas foram impactadas em cerca de R$ 100 milhões pela revenda de atletas formados já na Europa:
Antony para o Barcelona e Casemiro para o Manchester United.
Os clubes não podem depender só das receitas com negociações de atleta, pois são incertas,
embora elas façam parte do negócio do futebol. O principal aspecto a ser avaliado é o nível de
dependência dos clubes brasileiros em relação a esse tipo de receitas. As simulações das citadas
consultorias apontam o intervalo ideal ficar entre 10% e 25% das receitas totais, caso tenham alguma
recorrência.
A pandemia reduziu o volume de negociações na Europa, impactando nas negociações de
atletas do Brasil para o continente. A Inglaterra segue sendo o país de destino da maioria das
negociações. Na principal janela de transferência, a do verão europeu (agosto), dos 10 maiores valores
de transferência, 7 envolviam chegadas de atletas na Inglaterra. Na janela de inverno (janeiro), lá se
comprou 8 entre as 10 maiores vendas.
A Inglaterra movimenta mais dinheiro, mas menos atletas. O valor médio de contratação por
atleta é mais alto diante do registrado nas demais ligas. Itália e Portugal movimentam muitos atletas,
mas de menor valor.
Maior movimento e menor valor tem relação direta com o perfil da liga. Na Itália, há muita
movimentação interna, enquanto Portugal, Países Baixos e França recebem atletas jovens para
finalizar formação e revender.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Em 2022, houve aumento da presença de negociações abaixo de € 2 milhões como reflexo da
redução na ideia média das contratações. Mas foram também retomadas as negociações acima de €
50 milhões, indicando o mercado estar se recuperando.
Comparando 2019 com 2022, a Inglaterra passou a optar por contratações de atletas mais
maduros. Ter mais dinheiro permite acessar atletas com maior experiência e chance de acertar logo.
Exceto na da Espanha, no meio termo, as demais ligas optam por atletas mais jovens, adotando a
prática de formação, especialmente, na Alemanha, França, Países Baixos e Portugal.
Negociar atletas é parte (ou arte) do negócio. Há o exemplo italiano de instabilidade, onde
historicamente o lucro na negociação de atletas representava mais de 20% das receitas, e houve queda
brusca para 12%, em 2020-2021, por conta da pandemia. É preciso fazer as escolhas certas, formar
bem e se apropriar do ganho pela formação.
Outra parte do negócio do futebol é escuso, ou seja, incita desconfiança, tende a ser
misterioso, porque não está em conformidade com a lei e, portanto, é ilícito. A lavagem de dinheiro
no futebol pode ocorrer de várias maneiras como os seguintes exemplos.
Uma forma comum de lavagem de dinheiro no futebol é a compra de clubes de futebol.
Indivíduos com fundos ilícitos adquirem clubes para usar o futebol como uma fachada legítima para
justificar a origem de seu dinheiro.
Outra forma de lavagem de dinheiro é através de investimentos em jogadores. Muitos
bilionários compram jogadores, investem em seus direitos econômicos em conluio com os
administradores de carreiras de atletas, capazes de intermediar suas transferências, e usam essas
transações como meio de introduzir dinheiro ilegal no sistema financeiro.
A lavagem de dinheiro também pode ocorrer por meio de pagamentos não declarados a
jogadores e agentes. Parte do dinheiro ilegal é mascarada como salários ou comissões “por fora”
concedidas a jogadores e agentes envolvidos em transações de jogadores.
Lavadores de dinheiro realizam transferências financeiras complexas e obscuras entre
diferentes países e contas bancárias, dificultando o rastreamento e a identificação da origem do
dinheiro. Paraísos fiscais são utilizados para ocultar a verdadeira identidade dos envolvidos e facilitar
a transferência de dinheiro de forma a dificultar a rastreabilidade dos recursos.
Também empresas fictícias ou controladas por lavadores de dinheiro são usadas para firmar
contratos de patrocínio ou adquirir direitos de transmissão de partidas de futebol. Permite o dinheiro
sujo ser injetado nele sob a aparência de investimento legítimo.
Há um sistema ilegal dedicado a maximizar lucros de indivíduos em detrimento dos clubes.
É um sistema de divisão de comissões bastante experimentado. Um clube compra um jogador de
outro por um valor de transferência acordado entre eles. Os agentes recebem uma comissão na forma
de um percentual do valor dessa transação.
Eles repassam então parte de sua comissão aos demais indivíduos facilitadores da transação.
Muitos técnicos participam das “jogadas de troca-de-favor”: contratam, indicam ou escalam
jogadores para receber comissão (“prêmio”) com a valorização deles e sua venda posterior.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Essa propina é discretamente paga em dinheiro vivo ou por meio de “presentes” como
relógios de luxo ou até carros premium. É evasão fiscal, corrupção e lavagem de dinheiro!
Esses abusos se devem à concentração de grandes somas de dinheiro em uma mesma
transação na qual diferentes partes estão interessadas, ao poder discricionário de uma única pessoa
como o diretor de futebol, ao valor subjetivo da “mercadoria”, sem baliza para avaliação do preço de
um jogador de futebol, e à flexibilidade da legislação em matéria de conflitos de interesse: atuar em
causa própria ao ocupar cargo de decisões.
Tudo isso ocorre em contexto de fragilidade financeira do futebol profissional. A maioria
dos clubes encontra-se em situação precária e necessita das transferências de jogadores para tentar
equilibrar as contas.
Para investigar, o follow the Money é facilitado porque os valores anunciados nas
transferências nunca são pagos à vista de uma única vez, mas em parcelas, semestrais ou anuais, de
acordo com a duração dos acordos. O agente de jogadores paga as várias partes interessadas ou
corruptas no mesmo ritmo e para isso precisa manter registros. Basta a polícia fazer busca e apreensão
em residências e escritórios para os encontrar.
Corrupção Futebol Clube
O escândalo de corrupção na FIFA (Federação Internacional de Futebol), em 2015, abalou
sua reputação e levou à prisão de vários dirigentes da entidade. O Departamento de Justiça dos
Estados Unidos investigou a corrupção generalizada dentro da FIFA, incluindo subornos, lavagem de
dinheiro e fraude em conexão com a comercialização de direitos de transmissão e marketing de
competições como a Copa do Mundo. O então presidente da FIFA, Joseph Blatter, renunciou ao cargo
em meio ao escândalo.
A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) esteve envolvida nessa corrupção. Autoridades
suíças prenderam sete dirigentes de futebol, incluindo o então presidente da CBF, José Maria Marin,
em conexão com a investigação de corrupção na FIFA. O escândalo resultou em mudanças na
liderança da entidade.
Esses casos evidenciaram a necessidade de reformas profundas nas estruturas e práticas de
governança do futebol. Visariam aumentar a transparência e a prestação de contas.
A corrupção no futebol ocorre de várias formas e envolve diversos agentes dentro e fora do
esporte. Entre os métodos e as práticas corruptas mais comuns no futebol encontra-se o suborno. Esse
método envolve a oferta ou aceitação de dinheiro ou benefícios pessoais para influenciar resultados
de jogos, arbitragem, transferências de jogadores, escolha de sedes de competições e outros aspectos
relacionados ao esporte.
Recentemente, em função de apostas, revelou-se a manipulação de resultados no futebol
brasileiro, outra forma de corrupção. Envolveu jogadores, mas treinadores e árbitros podem ter o
propósito de deliberadamente influenciar o resultado de jogos em troca de benefícios financeiros.
A corrupção também ocorre nos contratos e nas negociações de transferências de jogadores.
Agentes, dirigentes de clubes e intermediários recebem subornos ou comissões irregulares para
facilitar ou influenciar as transações.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Além disso, há práticas de má gestão financeira, como desvio de fundos, fraudes contábeis,
evasão fiscal e manipulação de contratos de patrocínio e direitos de transmissão. Uma antiga diretoria
do Cruzeiro está sendo processada por isso, além de ter contratado jogadores no fim-de-carreira por
valores absurdos à custa de endividamento futuro em processos trabalhistas pelo não pagamento do
combinado.
Há conflitos de interesse não declarados ou maliciosos. Envolvem dirigentes, agentes ou
outros envolvidos no esporte ao tomarem decisões em benefício de seus próprios interesses
financeiros.
O futebol também é utilizado como meio para a lavagem de dinheiro obtido de atividades
ilegais. Dinheiro sujo é investido em clubes, jogadores ou em transferências de jogadores para fins
de camuflagem e ocultação da origem ilícita em corrupção, tráfico ou fraude.
O crime de lavagem de dinheiro consiste em três etapas para reinserção formalizada do
dinheiro ilícito no sistema financeiro. É o caso do “dinheiro por fora” para evasão fiscal.
A colocação acontece por meio dinheiro vivo na compra de bens, imóveis ou obras de arte,
criptomoedas etc. Por meio da fragmentação do valor monetário em pequenas quantias de depósitos
à vista, a movimentação financeira não precisa ser comunicada e passa despercebida aos órgãos
fiscalizadores.
Na fase da ocultação, o principal objetivo é esconder a origem do dinheiro advindo de
infrações penais. Através de ações como transferências bancárias ou pela utilização de “contas
fantasmas” (abertas com documentos reais em nomes de pessoas inexistentes), o rastreamento dos
bens ou recursos financeiros ilegais acaba sendo dificultado.
Como última das etapas da lavagem de dinheiro, os recursos ilícitos são formalmente
reinseridos no sistema financeiro. Essa integração ocorre por meio de investimentos em negócios
lícitos ou compra de ativos com documentos supostamente legais.
Para combater a corrupção no futebol, são necessárias medidas de governança, transparência,
fiscalização e aplicação da lei, bem como o envolvimento de entidades reguladoras e órgãos policiais
internacionais – e não só “raposa cuidando do galinheiro”.
Um exemplo dessa atitude vigilante está na minissérie documental na Apple TV: Superliga.
Refere-se à proposta controversa, anunciada em abril de 2021, para a criação de uma competição
apenas entre clubes de elite na Europa.
A ideia era estabelecer uma liga fechada, composta por 12 clubes fundadores com garantia
de participação permanente, independentemente de seu desempenho esportivo: Juventus, AC Milan
e Internazionale da Itália; Atlético de Madrid, Barcelona e Real Madrid da Espanha; Arsenal, Chelsea,
Liverpool, Manchester City, Manchester United e Tottenham Hotspur da Inglaterra.
Evidentemente, grandes clubes como o Bayern de Munich (Alemanha), PSG (França), Ajax
(Holanda), Benfica (Portugal), entre outros, não apoiaram, assim como os clubes de outros países
costumeiros participantes da Champion League e da Copa da UEFA com ascensão e rebaixamento.
Suas torcidas pertencem a grandes comunidades.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
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Além dos 12 clubes fundadores, argumentaram os “inventores do cartel”, a proposta previa
outros 3 clubes seriam convidados para participar como membros permanentes. No entanto, os clubes
fundadores começaram a retirar seu apoio à Superliga, logo após o anúncio, em resposta à forte reação
negativa de torcedores com manifestações de rua, jogadores, treinadores, governos e outras entidades
do futebol como UEFA e FIFA.
Houve protestos intensos e condenações públicas. Afinal, o campeonato proposto entre
“times ricos vencedores” desrespeitava os princípios de meritocracia esportiva, competição justa e
sistema de promoção e rebaixamento.
A Superliga minaria as competições nacionais existentes, como as Ligas Nacionais e a Liga
dos Campeões da UEFA, ao concentrar o poder e os recursos em um pequeno grupo de clubes. À
primeira vista, a proposta não permitia a entrada de outros clubes além dos 12 fundadores, restrição
injusta e limitadora de oportunidades para outros clubes.
A proposta foi criticada por colocar interesses financeiros acima dos valores tradicionais do
futebol, como a paixão dos torcedores, a identificação com o clube local e a competição saudável.
Essas são as raízes do futebol antes da globalização e da maximização da mercantilização do esporte.
Devido à reação negativa e pressão política, a maioria dos clubes fundadores começou a
retirar seu apoio à Superliga poucos dias após o anúncio. Tornou-se natimorta. Os planos para sua
implementação foram abandonados por eles com a maioria admitindo a ideia não ser viável diante da
rejeição generalizada, inclusive a ameaça de jogadores participantes de seus jogos serem deserdados
das demais competições da UEFA / FIFA.
O episódio da Superliga se relacionou à governança do futebol, à desigualdade financeira
entre clubes e ao papel dos torcedores na tomada de decisões. Também estimulou discussões sobre a
necessidade de reformas na estrutura do futebol europeu para garantir um equilíbrio entre os interesses
econômicos e os valores esportivos.
Por exemplo, o objetivo principal do fair play financeiro da UEFA é evitar os clubes
acumularem grandes dívidas e gastarem acima do gerado em receitas. Busca garantir os clubes, com
gestão responsável, operarem de forma sustentável financeiramente.
Os clubes participantes das competições da UEFA devem apresentar informações financeiras
detalhadas, incluindo demonstrações financeiras e projeções futuras. Necessitam cumprir
determinados limites de endividamento, com restrições sobre o uso de injeções de capital excessivas
ou provenientes de fontes questionáveis. Não podem desequilibrar excessivamente a competição ao
impor um padrão superior capaz de afetar os pagamentos de outros clubes a jogadores, funcionários
ou autoridades fiscais.
Caso os clubes não cumprirem as regras do fair play financeiro da UEFA ficam sujeitos a
uma série de sanções. Incluem advertências, multas financeiras, restrições nas inscrições de jogadores
nas competições e até mesmo exclusão de competições futuras.
Para promover a formação de jogadores jovens, em nível nacional, a UEFA estabeleceu a
regra de cada clube incluir um número mínimo de jogadores em suas listas de jogadores registrados
em clube nacional por um período específico.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
Isso é conhecido como “regra de jogadores formados localmente”. Alterou a exportação de
jogadores brasileiros tornando-a cada vez mais de jovens promissores. Desnacionalizou a seleção
brasileira com poucos jogadores de times do país.
A FIFA estabeleceu uma idade mínima de 18 anos para a transferência internacional de
jogadores, com algumas exceções, por exemplo, se o jogador estiver se mudando para outro país
dentro da União Europeia, onde a idade mínima é reduzida para 16 anos.
Jogadores brasileiros talentosos com 16 de idade assinam contrato profissional e logo são
vendidos para a Europa. Por isso, o futebol jogado no Brasil está decadente.
Análise da Viabilidade de Abertura de Capital de SAF
Marcelo Weishaupt Proni e João Pedro Marchiore Libanio se colocaram a pergunta: o futebol
brasileiro entrará na Bolsa de Valores? Responderam-na com uma ótima pesquisa, sintetizada na
Revista de Gestão e Negócios do Esporte (RGNE), publicada em novembro de 2016.
Essa estratégia ainda não foi testada no Brasil, mas o Projeto de Lei n. 5.082/2016, em
princípio, pretendia viabilizar a entrada de equipes na BM&F-Bovespa com a criação da Sociedade
Anônima do Futebol. O objetivo do artigo é analisar a viabilidade de abertura de capital para grandes
equipes nacionais como fonte de financiamento e estratégia de valorização patrimonial.
Inicialmente, Proni e Libânio (2016) informam a respeito da experiência de abertura de
capital no futebol inglês. Quando 17 clubes ingleses se tornaram Sociedades Anônimas com capital
aberto, entre 1995 e 1997, inspiradas no caso de sucesso do Manchester United, cujas ações
valorizaram mais de 500% entre 1991 e 1995, houve profundas mudanças na sua estrutura de
comando e na direção dos negócios:
a diretoria passou a ser composta por executivos qualificados,
eles precisavam elaborar o planejamento estratégico,
tinham de prestar contas para o Conselho de Administração,
ficaram legalmente obrigados a preservar os interesses dos acionistas da empresa,
evitavam gastos exagerados e endividamento inconsequente.
Porém, suas ações, cotadas na Bolsa de Valores, ficaram sujeitas aos riscos e desafios
inerentes às características ímpares de seu ramo de atividades:
resultados esportivos ruins podiam ocasionar quedas significativas nos preços das ações
negociadas, acarretando perdas patrimoniais imediatas.
classificação para um torneio internacional podia proporcionar ganhos expressivos,
influenciados pela expectativa de ampliação das receitas e elevação da rentabilidade esperada.
As empresas de capital aberto, participantes do mercado acionário, buscam a satisfação de
seus acionistas por meio da distribuição de dividendos e de ganho sobre o capital investido.
Diferentemente, a Sociedade Anônima de Futebol pode colocar em segundo plano esse retorno
financeiro (distribuição de lucros), para o acionista, e assumir como prioridade o sucesso no âmbito
esportivo, condição para uma valorização posterior de suas ações com ganho de capital. Seria uma
atividade essencialmente especulativa.
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De 26 clubes do Reino Unido listados na Bolsa, entre 1991 e 1997, 13 foram obrigados a se
retirar entre 2001 e 2007, em razão da desvalorização progressiva no preço de suas ações. Outros 11
decidiram deixar o mercado de ações devido ao mau desempenho, após a eclosão da crise financeira.
Seus resultados foram inferiores à média do mercado.
Em grande medida, esse insucesso esteve associado a:
má avaliação de seu valor de mercado,
dificuldade de controlar os gastos com salários de jogadores,
erros da gestão financeira,
falhas relativas à governança corporativa.
Em 2016, restavam apenas 4 equipes com o capital aberto no Reino Unido, sendo duas
inglesas e duas escocesas: Manchester United, Arsenal, Celtic e Rangers.
Proni e Libânio (2016) sintetizam os motivos pelos quais alguns clubes ingleses não se deram
bem na Bolsa de Valores:
1. os mercados de capitais impõem regras difíceis de serem cumpridas pelos clubes, por
exemplo, quando negocia a transferência de um jogador, o clube quer tratar disso sigilosamente,
sem ter de comunicar ao mercado (e à torcida) o pretendido fazer;
2. muitos não costumam pagar dividendos, pois não oferecem perspectiva de lucros para
os acionistas.
Na Era do Futebol-Empresa, outros times europeus têm obtido sucesso (dentro e fora de
campo) com a adoção de modelos sofisticados de administração empresarial, sem recorrer à abertura
do capital. Por exemplo, o modelo de gestão empresarial de equipes tradicionais, como o Real Madrid
e o Barcelona, não requer a criação de sociedade anônima.
Nesse caso, a propriedade do clube é de uma coletividade de associados. Ela elege um
Conselho Representativo. Este, por sua vez escolhe a diretoria com mandato para dirigir o clube
durante um período.
Esse modelo permite a contratação de profissionais capacitados para cuidar de Departamentos
(Financeiro, Jurídico e de Marketing), sob a supervisão da Diretoria. Além disso, também há o
Conselho de Fiscalização: veta ou aprova projetos e autoriza contratos e parcerias.
Em geral, é constituído por ex-presidentes e ex-diretores com mandato vitalício. Dizem ser
capazes de tomar decisões com base na ética esportiva e na tradição do clube.
Uma exigência para qualquer empresa com ações negociadas no mercado de capitais é a
transparência de informações ao público investidor. No caso do futebol, na primeira década do novo
milênio, os balanços patrimoniais e as demonstrações financeiras dos clubes eram pouco detalhados.
Além disso, como o mercado acionário é bastante volátil ao noticiário nacional e
internacional, oscilando de acordo com as informações divulgadas, havia o receio de uma variação
repentina do valor dos papéis em função de alguns acontecimentos, entre outros:
desclassificação prematura em qualquer torneio,
contusão de um jogador,
demissão do treinador,
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
perda de patrocinador,
renúncia do diretor de futebol.
Torcedores emocionais podem se comportar como investidores racionais em longo prazo?
Torcida não adota sempre um comportamento de manada guiada pelo prazer da vitória ou dor da
derrota?
Segundo avaliação de Proni e Libânio (2016), a abertura de capital e o consequente
aprimoramento gerencial e organizacional do clube-empresa poderiam levar a “indústria do futebol”
a uma maior profissionalização diretiva, potencializando o desempenho financeiro e a valorização
patrimonial. Mas, caso algumas equipes de futebol brasileiras quisessem entrar na Bolsa de Valores,
não seria suficiente a profissionalização da administração.
Além de contratar profissionais qualificados para os cargos executivos, seria necessária uma
completa mudança organizacional. Uma adequação da legislação relativa ao clube-empresa também
ajudaria, assim como incentivos fiscais.
Adicionalmente, deveria ser melhorada a imagem institucional e fortalecido o relacionamento
com um público acionista não restrito a seus torcedores. O clube precisaria cuidar de sua projeção na
mídia e obter reconhecimento de variados públicos.
Uma verdadeira SAF deveria assegurar transparência não só dos resultados financeiros, como
também dos métodos de gestão e controle (governança corporativa), permitindo acompanhamento
constante da comunidade financeira (doméstica e internacional).
De fato, segundo Proni & Libanio (2016: 190), “os poucos clubes com cogitação de seguir
esse caminho não possuíam governança estruturada para atender aos padrões de exigência da CVM
e sua gestão era parcialmente profissional”.
A inviabilidade do ingresso na Bolsa não decorria dos custos relacionados à abertura de
capital (e à sua manutenção), mas sim de:
falta de tradição em assegurar transparência da gestão e dar acesso a informações;
dificuldade de restringir a negociação das ações por detentores de informações
privilegiadas;
vulnerabilidade de suas ações a tentativas de ofertas hostis.
Caso algumas equipes de futebol da elite nacional tivessem porte econômico mínimo, para
serem negociadas na Bolsa de Valores, não apresentariam bons indicadores de liquidez. Tampouco
ofereceriam boas perspectivas de rentabilidade para eventuais acionistas.
A incerteza em relação às receitas, relacionada, em parte, ao desempenho esportivo, afetaria
a qualidade da gestão e o cálculo econômico de possíveis investidores. A assinatura de contratos de
longo prazo para patrocínios e direitos de televisão ajudou a reduzir essa incerteza, mas não foi
suficiente para projetar uma boa performance na Bolsa de Valores.
Segundo Proni e Libânio (2016), o ingresso na Bolsa de Valores encontrou resistências
internas nos principais clubes brasileiros. Seus dirigentes argumentaram com base no risco de
acarretar a perda de flexibilidade no processo de decisão e causar tensões em razão da pressão
constante dos acionistas por desempenho financeiro.
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Tais resistências não significavam uma aversão à modernização da gestão. Almejavam a
subordinação do modelo administrativo à preservação do poder dos grupos dominantes na política
interna do clube.
Exigiria uma administração mais profissional, imune às divergências internas típicas de
clubes sociais. Por exemplo, a cada três anos, há eleições para a presidência da Diretoria, gerando
conflitos capazes de prejudicar o planejamento estratégico e financeiro de longo prazo.
A estratégia refutada pela tradicional direção de clube em busca de status social exigiria a
implantação de um organograma similar ao de grandes corporações. Haveria a separação de três
unidades de negócios do clube: futebol (base e profissional), uso do estádio e clube social.
Na área do marketing, haveria a criação de uma área de branding para cuidar da valorização
da marca. Isso indicava a necessidade de aprimorar a gestão de contratos de licenciamento.
Na área das finanças, haveria a redução da folha de pagamentos do Departamento de Futebol,
reduzindo o teto salarial e usando critérios de remuneração variável. Também haveria a reestruturação
da elevada dívida bancária do clube em busca de diminuir o custo financeiro e obter um alongamento
dos prazos.
Proni e Libânio (2016) salientam: “após a aprovação da Lei Pelé, o futebol brasileiro se tornou
um negócio bilionário. A receita conjunta dos clubes brasileiros passou de R$ 600 milhões em 2001
para mais de R$ 3 bilhões em 2013” (p. 192).
Mas, apesar dessa expansão significativa, os gastos com contratações e salários de jogadores
(e comissão técnica) continuaram pressionando o orçamento. A gestão financeira da maioria dos
clubes permaneceu deficitária, dificultando o pagamento de encargos tributários e trabalhistas e
resultando em endividamento crescente.
Diante de tais desequilíbrios orçamentários, muitos dirigentes foram obrigados a
comprometer receitas futuras, na maioria dos casos antecipando o recebimento por direitos de
transmissão. Além disso, tomaram empréstimos emergenciais, fazendo as dívidas se tornarem quase
“impagáveis”.
Em abril de 2016, houve a apresentação na Câmara dos Deputados de um projeto de lei (PL
5.082/16) com a pretensão de criar a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Requeria serem
estabelecidos procedimentos de governança e de natureza tributária. A justificativa era simples: seria
mais um passo necessário no processo de “empresarização” do futebol brasileiro.
No entanto, incoerentemente com a ideia de Sociedade Anônima, a abertura do capital seria
facultativa. Apenas caso fosse vantajosa e viável com base de análise bem fundamentada em cada
caso particular.
Houve resistências à aprovação dessa lei por parte de:
grupos conservadores em defesa da manutenção da atual estrutura de propriedade nos
clubes,
autoridades governamentais preocupadas em barrar a pressão por regime tributário
especial para empresas de médio porte com capital aberto,
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
políticos demagogos com o entendimento de o futebol ser um bem público, reticentes à
sua total conversão em ativo financeiro, sujeito à oscilação do mercado de ações.
É possível a transformação do clube em SAF ser compatível com a adoção de um modelo
antiquado de governança corporativa. Afinal, uma Sociedade Anônima pode ser administrada sem
transparência e priorizando os interesses de um grupo restrito de acionistas.
Logo, mesmo no caso de clubes ousados ao constituírem uma empresa com o capital aberto,
não há garantia de serem evitados problemas comuns no Brasil:
estrutura de propriedade com alta concentração de ações ordinárias (com direito a voto) e
alto índice de emissão de ações preferenciais (sem direito a voto);
controle da empresa compartilhado por poucos investidores alinhados por meio de acordo
entre acionistas, restando aos acionistas minoritários pouca atuação no Conselho de
Administração; e
pouca clareza na divisão dos papeis do Conselho de Administração e da Diretoria
Executiva.
Concluem Proni e Libanio (2016, p. 195-196): “para uma ação ser considerada atrativa, o
negócio deve transmitir confiança para o mercado acionário, baseada na expectativa de rentabilidade
e de liquidez dos ativos. Esta é uma condição difícil de ser cumprida no futebol nacional. Portanto,
listar ações na Bolsa de Valores é uma operação de risco, mesmo implicando baixo custo inicial, pode
acarretar prejuízos elevados se o desempenho das ações for decepcionante”.
Não há garantia de a conversão do clube de futebol em Sociedade Anônima possa propiciar,
de forma automática, um melhor desempenho econômico. Além disso, a instabilidade das receitas, a
falta de boa governança e a dificuldade de cortar gastos afugentam os investidores realistas.
Os acionistas identificados com o clube – uma elite de torcedores de alta renda –
compensariam essa desconfiança. Entretanto, o clube não se sustentaria listado na Bolsa somente com
base na fidelidade de pequena parcela de seus torcedores.
Proni e Libanio (2016, p. 197) deixam ao leitor a resposta à questão-chave final: a quem
pertence o controle dos clubes e quem são os maiores beneficiados com sua valorização patrimonial?
Para implantar a SAF, os dirigentes atuais têm de renunciar à parte de seu poder e prestígio.
Além disso, ainda não se sabe o possível de acontecer no caso de um grupo econômico, nacional ou
estrangeiro, adquirir a maioria das ações ordinárias e controlar o clube-empresa.
Os coautores opinam sobre possíveis consequências da SAF: “as atuais desigualdades
verificadas no desempenho financeiro dos times mais populares do país se amplificariam. Isso
desequilibraria ainda mais as disputas no campo esportivo.
Para evitar isso acontecer, uma alternativa seria a criação de uma Liga Nacional com estrutura
jurídica adequada e porte econômico razoável para negociar ações na Bolsa. Nesse caso, o patrimônio
inicial da empresa seria avaliado de acordo com os direitos econômicos relativos à transmissão dos
torneios e a contratos de marketing da Liga. Contudo, esse tipo de solução não foi experimentado em
outros países, não havendo motivos para supor ser possível vingar no Brasil”.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
Por fim, Proni e Libanio (2016) levantam a possibilidade de modernização da gestão do
futebol sem a necessidade de conversão de todos os clubes em SAF. Em certos casos, há possibilidade
da adoção de práticas eficazes de governança e planejamento estratégico ser bem-sucedida.
Isso ocorria em clubes como Real Madrid e Barcelona. Porém, com a inflação dos salários
das estrelas contratadas e consequente endividamento eles sucumbiram e chegaram a apelar para a
criação um cartel dos clubes ricos e vitoriosos via a natimorta Superliga...
Como contraponto ao processo chamado de “empresarização” do futebol, cuja realidade
global sugere a predominância do modelo de Sociedade Anônima de Futebol (SAF), Irlan Simões
Santos, pesquisador-membro do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte (LEME/UERJ), elenca
os principais elementos para uma análise crítica acerca das propostas de um novo processo de
transformação dos clubes brasileiros do modelo de associação civil sem fins lucrativos para o modelo
de sociedade empresária.
De início, apresenta os projetos de lei existentes. Depois, aponta a necessidade de uma
abordagem de caráter crítico sobre o processo proposto, diante da realidade concreta vivenciada em
outros países.
O país testemunha um movimento pela “empresarização dos clubes”. Trata-se da conversão
do modelo jurídico das agremiações de associações civis sem fins lucrativos para o modelo de
sociedade empresária.
O autor se incomoda com os distintos interesses dos tradicionais a disputar a posse dos clubes
para lhes dar maior capacitação financeira. Desde logo, posiciona-se de maneira crítica.
O caráter “sem fins lucrativos” se refere à impossibilidade, comumente previstas em lei, de
distribuição de lucros e dividendos dessas organizações entre os seus associados. O corpo de sócios
possuidores de direito de votos, dentro da associação clubística, vai sempre depender da correlação
de forças internas.
Em uma Sociedade Anônima, a participação acionária determina o peso de cada acionista
nesses espaços de decisão cruciais para definir os rumos da empresa. Poderá até um único sócio
majoritário assumir todos os riscos.
A Lei das SAF propiciou a criação de um novo tipo jurídico no país – as Sociedades
Anônimas do Futebol – com regras e tributação específica adequadas para o ambiente de negócios do
futebol. De imediato, os neoliberais predominantes na mídia brasileira divulgaram aos leitores seu
otimismo quanto ao processo de “empresarização dos clubes”.
Simões (2020: 11) denuncia esse neoliberalismo se imiscuir no esporte, enquanto regime
político-econômico promotor da proeminência dos interesses de “O Mercado” sobre a organização
social. Os formadores de opinião divulgam a ideia de clubes de futebol – centenárias instituições
sociais aglutinadoras de múltiplos e diversos agrupamentos humanos comunitários de pertencimentos
afetivos – poderem, ou mesmo deverem, estar sujeitos ao controle privado e atomizado de grupos
específicos de poder político e financeiro.
Ele se pergunta: se a propriedade de clubes de futebol é uma atividade econômica
extremamente custosa e arriscada, raramente entregando bons resultados financeiros aos seus
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Economia do Futebol
envolvidos, apesar do crescente montante de dinheiro movimentado por essa indústria, por qual razão
interessaria tanto a propriedade dos clubes?
Basicamente, responde, porque não está necessariamente se falando de um mercado, mas sim
de uma grande indústria de entretenimento para captação e reprodução de poder.
Considerações finais
Como exposto neste Texto para Discussão, os principais tipos de proprietários de clubes de
futebol no mundo distribuem seus interesses entre:
1) geopolítica: uso do futebol como instrumento de “soft power” por países como Arábia
Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos;
2) política eleitoral/institucional: uso do poder de atração de clubes com objetivos
eleitorais;
3) mercado de capitais: uso das ações pelos proprietários para tecer redes de
relacionamento e atrair investidores para outras empreitadas particulares lucrativas, diferentes do
clube de futebol;
4) lavagem de dinheiro: uso dos clubes para movimentações ilícitas por parte de agentes
aventureiros, sujeitos de baixa reputação e má índole, acessando uma elite política e financeira à
qual não teria acesso por outros meios mercantis.
Em todos esses casos, guardadas as devidas proporções, os clubes resumem-se a ferramentas
de captação de poder. Portanto, são sim recompensadores, embora não sejam economicamente
lucrativos.
Bibliografia
ANDERSON, Chris; SALLY, David. Os números do jogo: por que tudo o que você sabe sobre futebol
está errado. São Paulo: Editora Paralela, 2013.
BELLOS, Alex. Futebol: o Brasil em campo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. 350p.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, cultura, sociedade. São Paulo: Companhia
das Letras; 2007.
FROER, Franklin. Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 2005. 244p.
KUPER, Simon; SZYMANSKI, Stefan. Soccernomics: por que a Inglaterra perde, a Alemanha e o
Brasil ganham, e os Estados Unidos, o Japão, a Austrália, a Turquia – e até mesmo o Iraque – podem
se tornar os reis do esporte mais popular do mundo. Rio de Janeiro: Editora Tinta Negra, 2010.
PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: IE-Unicamp, 2000.
PRONI, Marcelo Weishaupt; LIBÂNIO, João Pedro Marchiore. O futebol brasileiro na bolsa de
valores? Revista de Gestão e Negócios do Esporte (RGNE), São Paulo, v. 1, n. 2, p. 178-200, nov.
2016.
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Texto para Discussão. Unicamp. IE, Campinas, n. 452, junho 2023.
Fernando Nogueira da Costa
SANTOS, Irlan Simões. Clube empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no
futebol. Rio de Janeiro: Corner, 2020.
SARAIVA, Pedro Victor Forte. Futebol e mercado: ascensão das sociedades anônimas do futebol
no Brasil. Monografia (Graduação)–Instituto de Economia. Unicamp, 2023.
TOSTÃO (Eduardo Gonçalves de Andrade). Tempos vividos, sonhados e perdidos: um olhar sobre o
futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.
TREVISAN, Fernando. A hora da verdade no negócio futebol. Valor, 7 fev. 2022
WISNIK, José Miguel. Veneno remédio – O futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
2008. 446p. A dissertação do autor Fernando Nogueira da Costa
Confira os campeões de todos os campeonatos de futebol no Brasil e no mundo. No Site campeões do futebol. https://www.campeoesdofutebol.
Confira os canais do site campeões do futebol.https://www.campeoesdofutebol.
Imagem ; Sire Dremstime.
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